segunda-feira, junho 12, 2006

E onde foi que eu fui amarrar meu burro

Eu me prometi antes de começar a escrever aqui que não iria tocar em política. Não que eu não goste de política. Muito pelo contrário. Assisto ao noticiário (ou pelo menos tento) diariamente. Verdade, não leio jornais. Jornais não. Eles têm cara de realidade e eu prefiro a versão televisiva, que tem cara de novela. Personagens inacreditáveis, romances impossíveis e tramas infundadas. E o que é mais incrível: nada daquilo foi armado pela globo nem escrito pela Glória Perez (e me permitam um parênteses aqui: maldade chamar a dita de glória, que faz todo o resto dos realmente gloriosos ficarem envergonhados com o título). Enfim, como dizia, a versão televisiva nem parece que retrata gente de verdade, e sim invencionices de um autor improvável: daí a minha preferência pela dita. E daí também meu auspicioso gosto pela política: o sabor que tem de folhetim. Mas atenção: eu disse política, e não os políticos, que o gosto pela história não obriga o gosto pelos personagens (e, falando sério, paciência tem limite).

Mas, como dizia no princípio, eu decidi que sobre política eu não ia escrever. O motivo é que não me sinto na competência ou tendo conhecimento suficiente para tal. Existem muitos mais e melhores que eu para fazerem seus comentários. Existem, eu sei, muitos outros, muitíssimos outros bastante piores. Mas me recuso a aliar-me a este clube cujos sócios tem um impressionante talento para falar besteira (tenho, eu também um impressionante talento para tal, mas ao contrário dessa turba, nunca nem jamais seria tão irresponsável a ponto de fazer ao outros crerem que sei exatamente do que estou falando, quando na verdade não tenho a mínima ideia do que se passa a meio palmo do meu nariz ao falar ou escrever minha parcela de besteirol).

Pois bem, em se falando de política, vamos iniciar no princípio. Não o digo "iniciar pelo princípio" por vício de linguagem, que vício é uma coisa muito feia, e os de linguagem são os piores. É que o bicho é grande, e pode ser atacado por diversos lados. No caso da política, vale à pena iniciar no princípio, que em se tratando desses assuntos, o princípio é geralmente inocente e até mesmo honesto. Ou seja: quando o negócio começa, é em geral uma coisa muito bonita. Já quando termina, bem, o final evitarei a todo custo, que sou (ou melhor, me considero) uma pessoa de respeito e costumo não usar de certo tipo de vocabulário em meus textos. E assim, o princípio é, em geral, o que há de mais longe do fim, e pretendo portanto iniciar o papo por ele (e ater-me a esclarecer como é que a coisa tende a terminar, mesmo porque a maioria das pessoas sabe muito bem, porque já foi alguma vez a um banheiro público).

O princípio está geralmente amigado com a Ideologia. Ideologia, que em outras fazes (que não o princípio) se transforma em uma cínica desculpa para abandonar o raciocínio, leva pessoas a fazerem coisas que, se parassem para pensar e usar de suas faculdades lógicas, não fariam. É mais ou menos como o amor, mas a uma causa, e não a uma pessoa em especial. Assim como no amor (desculpem-me esse linguajar prá lá de cafona, mas ideologia é cafona mesmo), onde o objeto amado pode ser imperfeito, até mesmo aquela coisa feia, cheia de perebas e nhacas, que o amante não as percebe - ou como aquele que ama aquela que não lhe dá a mínima bola, ou, pior, dá bola para todo resto, menos o amante, assim é com a ideologia. Sujeito tem sua ideologia lá. Mas a ideologia não está nem ai para ele. Ele leu Karl Marx inteirinho 14 vezes, e a galera do partidão dizendo que ele é um teórico – quando ele é na verdade só um apaixonado.

Mas onde acaba a ideologia e começa a sem-vergonhice? digo, a política? Aqui também, caros leitores, aqui também a coisa é como nas histórias entre homens e mulheres. Onde acaba a paixão e começa a pancadaria?

Segredo que os sábios guardam da gente. Parece que ou ninguém sabe, ou os que sabem não querem contar. Não que eu seja um dos que não querem contar, e não porque nunca estive apaixonado nem nunca tive ideologia.

O que se sabe é que a ideologia se transforma em politica em algum ponto depois do momento em que o cidadão descobre que sua amada é feia, tem pele ruim e mal hálito. No sentido metafórico da colocação feita antes, claro! Não estou falando de maneira alguma de sua mulher (a "sua" do político, e não a "sua" do leitor!). Ele que case com quem bem entende, que isso não tem nada que ver com o rolo que dá depois com sua politicagem (aliás, é bem possível que haja alguma correlação. Mas não vou investigá-la nem agora nem depois, que daí a coisa vai descambar para o folclore). Ou seja: cai na real e se dá conta que todo aquele Karl Marx que ele leu na adolescência foi 1) perda de tempo 2) uma aporrinhação sem tamanho e finalmente 3) Marx devia tomar bolinha para sentar e escrever aquilo. Mas aí já está tarde. Ele já é deputado estadual, já foi prefeito e está correndo em uma eleição para cair em Brasília. Vai cantar o que para o povo agora? "Errei. É besteira tudo aquilo que eu disse antes. Esqueçam o que eu escrevi (como diria um conhecido político e sociólogo brasileiro). Tudo besteira da grossa. Nem pensem em votar em mim que eu sou tão besta quanto o resto dos crápulas que estão lá". Nem em novela... E nem em novela da supracitada e nem tanto gloriosa Perez. Normalmente, já aconchavado pela esquerda e pela direita, sai de fininho com um papo de "as bases teóricas da nossa formação partidária são os alicerces que erguerão as escadas a levar o povo à sua redenção!". É capaz até de limpar com o lenço uma furtiva lagrimazinha depois desse discurso, mesmo que o caboclo que vota nele não entendeu patavinas.

Prá que, perguntaria o pobre leitor que chegou até aqui, prá que toda essa história? É fácil. Para tentar responder algumas das perguntas mais frequentes que costumam me atirar. É que Israel é um país muito cheio de ideologias. Algumas pessoas as tem toda a vida e nunca chegam a ser políticos – como aquele adolescente que passa à vida adulta amando de longe a mesma mulher, até a morte aos 92 anos de idade. Pois bem: aqui é mais ou menos assim. Alguns passam da ideologia para a política. Outros ainda chegam a passar da política à politicagem. Mas a maioria segue no estado de ideólogos convictos até não sobrar nenhum dente na boca.

Sujeito vota em determinado partido. A lista de candidatos do tal partido (lembramos aqui que Israel é não só uma – ugh! – democracia, mas um regime parlamentarista) é mais feia que o Pedro de Lara pelado de meias marrons. Não importa. Ele vai e vota no tal partido de qualquer maneira. Por que? É... o leitor, espero eu, já compreendeu: ideologia.

O mesmo partido, com uma lista tão vazia de gente competente como torcedor fluminense satisfeito com o time faz uma porcaria de um governo. O cidadão vai lá e vota de novo para o mesmo partido. Por que? Aqui vai a mesma resposta: ideologia. Propostas? Soluções? Capacitação? Nada disso vai convencer o israelense médio na urna. Ele vota por convicções. Até hoje têm gente que fala de partidos já extintos como sendo a única solução para os problemas que assolam o país.

O que eles não se dão conta é que um dos problemas que assolam o país é justamente o não uso de raciocínio para votar.

É evidente que a coisa ia descambar para esse lado. Um país que só surgiu porque houve gente cheia de ideologia e muito pouco raciocínio lógico resolveu ressuscitá-lo depois de 2000 anos não pode ser lógico. E lendo noticiário daqui e o de outros lugares do mundo (incluindo Pindorama) chego à paradoxal conclusão de que é preferível esse mal (o do desacerbo de ideologia sobre a lógica) à politicagem sucumbindo à política. Sujeito faz feio? Chutam ele não do governo – mas do partido, o que é bem pior.

É por essas e outras que vivo me perguntando em épocas de eleições onde fui amarrar meu burro. Faço de conta que não sou brasileiro e não voto romanticamente, daí finjo que não estou em Israel e voto em quem na minha opinião güenta as pontas num parlamento cheio de ideologia, e muito pouco tato.

sábado, junho 10, 2006

O Brasil existe, supostamente dizendo, é claro, a uns 500 anos. Existe a mais tempo, eu sei. Vários registros fósseis e mineralógicos comprovam o fato. Tem inclusive um índio lá em Cuiabá que afirma ter estado presente naquela época, e é assim testemunha ocular (embora seja cego).

Acontece que antes disso o Brasil tinha outro nome. Não podemos afirmar isso com segurança, afinal esse dado não pode ser extraído de registros fósseis e mineralógicos, nem da cabeça do Índio milenar de Cuiabá. Mas assim supomos nós por motivos de probabilidade: seria surpreendente que o já citado país tivesse então o mesmo nome que tem hoje, mesmo porquê não haviam portugueses, Pedro Álvares nem caravelas (embora o Índio de Cuiaba afirme que – ele sim – estava lá). O que sim havia, e não há hoje, é o tal do Pau Brasil – este também, suponho, com outro nome.

O nome de uma localidade pode nos revelar bastante sobre a história e o povo dali. Por exemplo: Rio De Janeiro. Não é e nunca foi rio, o que mostra como os habitantes são distraídos e avoados. Na verdade, quem deu o nome, e faz tempo, foram os portugas. E eles sim, avoados e distraidos à beça (mas, não creio que seja culpa do Estácio de Sá. O que há de se esperar de um sujeito com nome de escola-de-samba?).

Os portugueses eram pródigos criadores de nome. Bastiões da criatividade ocidental. Vinham os caboclos sequestradores de índios e ficavam para dormir numa clareira. Acordavam e decidiam montar ali um vilarejo. "Que dia é hoje?". "Dia de São Cicrano". E assim chamavam a cidade de acordo com o nome do santo do dia. Sorte nossa que eram católicos, pois se xintoístas fossem, os nomes seriam um tanto mais esdrúxulos e de difícil pronúncia.

Afora os nomes que os portugueses originalíssimos inventavam, haviam os índios, que colaboravam com o nome de suas localidades, ou às vezes, coisas como "pedra onde o sujeito de bigode fez suas necessidades", "lugar para lavar os pés" e afins, mas em tupi-guarani, que era para os caboclos não entenderem.

Bem, Israel existe a apenas 58 anos. Existe a mais, como pode ser comprovado por registros fósseis, etc, e como pode ser devidamente confirmado nas músicas do Raul e vários registros escritos de vários milhares de anos que a massa costuma chamar de Bíblia. Mas como estado, só 57 anos. Estiveram aqui os Turcos-Otomanos, e logo depois da 1ª guerra mundial os ingleses. Os ingleses, inventores da National Geographic Society, decidiram que não podiam controlar uma região inteira sem ter mapas fieis com todas as localidades e seus nomes devidamente catalogados de acordo com o original. Assim subiram em mulas e juntaram um bando de beduínos locais e saíram montanha acima para catalogar o nome dos lugares: "Aqui se chama Aq-Alarbiah". "Ali é Shaid-A-Barduk" e assim por diante.

Inglês é teimoso, mas não é burro. Assim decidiram fazer o impensável (para um inglês, é claro). Pegaram um mapa de certa região e, sem ter os nomes próprios de cada riacho, cada monte, cada várzea, decidiram que não ia dar pé de levar beduíno para passear de graça. Sentaram e começaram a inventar nomes em árabe (ou que parecessem árabe)!

"Essa montanha tem cara de que?", "hum...", pensou Major Thompson coçando o longo bigode. "Tem cara de Al-Qbawa" afirmava no final, categoricamente. O outro que perguntou nem se importava como se escrevia isso. Lascava o nome no mapa e seguia para o próximo riacho. "Aq-Karbawa" disse Col. McDewing, sem ser perguntado. "Esse riacho tem cara de Aq-Karbawa". E assim terminaram os ingleses de mapear a tal da terra prometida.

Depois (na verdade foi durante) dos ingleses vieram os judeus da diáspora para colonizar Israel e em 48 conseguiram independência (partilha da ONU, guerra com 6 países árabes que eram contra a partilha etc...). Então veio a hora de dar nomes em hebraico para os lugares. Alguns lugares eram óbvios, como Monte Megido (Armagedon, no norte) ou Monte Tavor, ou Rio Jordão. Muitos lugares estavam bem descritos na bíblia e inclusive seus nomes já eram corriqueiramente usados. Haviam outros lugares menos óbvios, que necessitavam da ajuda de gente que conhece. Assim, estudiosos do já citado livro foram andando daqui prá lá com vários rascunhos debaixo do braço até encontrarem o tal do lugar "em que a batalha de não-sei-o-que ocorreu". Nem os Turcos-Otomanos nem os Ingleses fizeram muito para modificar o cenário de 3000 anos atrás. A terra parecia mais ou menos a mesma. E vários lugares foram sendo identificados e nomeados dessa maneira.

Outros lugares eram novos. Cidades (como Tel-Aviv, ou Monte Primavera, nome do livreto de Theodor Hertzel onde este escreve sobre sua visão de um país judaico), campos drenados, localidades novas.

Alguns nomes não me fazem muito sentido. Trabalho numa cidade chamada Sderot (avenidas) e moro em uma cidade chamada Rechovot (ruas). No extremo norte tem Kiriat Shmona (Praça dos Oito) e ao lado de Hebron tem Kiriat Arba (Praça dos Quatro). Outros nomes são prosaicos e se bem mal traduzidos poderiam ser nomes de favelas no Rio, como Petach Tikva (Portal da Esperança) ou Rishon Le'Tzion (Primeiros em Sião). Um dos meus preferidos é Rosh Hayin (Cabeça-Olho). Já pensou uma cidade no Brasil com um nome desses?

Há de se convir que tanto os ingleses como os atuais israelenses são muito mais criativos com nomes que os portugueses... mas não tanto quanto os nossos índios tupi-guarani (nem comento a capacidade criativa de certo índio de Cuiabá).

Talvez eu vá chamar minha próxima cidade de "Santo Cabeça-Olho de Itaguamirim-Al-Qwarem"

Ahá! Eu também tenho aqui minha historinha de copa do mundo para contar! Não é só porque eu não entendo picas de futebol, não tô nem aí para copa do mundo e nem sequer gosto da coisa que eu não vá participar: não gosto de futebol, mas sou um capitalista, afinal.

Foi na copa de 98. Jogo entre Iran e EUA (grupo F, jogo no dia 21 de Junho em Lyon: 2x1 pro Iran). Foi bem antes dos Aiatolandos endoidarem de vez e resolverem que há uma necessidade inadiável de destruir o planeta inteiro. O único George Bush que se houvira falar era o pai, Iraque era a Sadanhuseinlandia e o mundo era muito mais seguro (embora não soubéssemos). Eu, como de costume simplesmente ignorava a existência do jogo, e estava sentado na sala de computadores dos Dorms da universidade, onde residia. Não lembro de estar fazendo alguma coisa importante. Provavelmente era algo como batendo papo no chat (lembram do mIRC? – não funcionava na universidade; eu usava uma versão via Telnet... horror!), ou lendo jornal, ou e-mail.

Pode ser que seja impressão minha, mas acho que naquela época em Israel não se dava assim tanta bola para copa do mundo como hoje. Certeza é que este jogo em particular parecia tão atrativo quanto Paraguai vs. Camarões e não movia torcidas e fanáticos a pararem imediatamente o que quer que se fizesse para ver o jogo, por assim dizer.

Mas eis que vieram os gols. Barulhera tremenda. Eu cutuco o colega do computador ao lado e pergunto se ele sabe do que se trata. Ele dá ombros. Depois de uns tantos barulhaços desses eu acabo descobrindo por conta própria. Não era para ser tão difícil: todos os estudantes árabes naquela sala já estavam reunidos na frente de um televisor portátil que alguém contrabandeara para dentro do laboratório.

O Iran ganhou de 2 a 1. Um Carnaval dos estudantes árabes (beduínos e outros) degringolou durante todo o 2º tempo e logo depois do fim do jogo. E eu só ficava pensando, o que é que tem essa gente com o Iran! Ou seria na verdade contra os EUA?

Filosofei bastante sobre essas coisas naquela noite e só chego à conclusão hoje: não é só o futebol que é uma caixinha de surpresas: a torcida também é.

quinta-feira, junho 08, 2006

Só porque hoje ando lírico

Começa o verão. Em Israel é o fim da colheita de trigo que cresce no norte do Neguev. Ao contrário do Brasil, os latifúndios aqui são pequenos e diversificados. Em vários Kibutzim, Moshavim e fazendas na região crescem em pequenos campos trigais, pomares e plantações de girasóis. O dia estava glorioso: depois de uma semana de calor infernal, finalmente eu conseguia dirigir sem ligar o ar-condicionado. Só calor, nada daquela sensação de forno de padaria e céu amarelado.

E eu fui dirigindo de Raanana, no norte de Tel-Aviv até Netivot, onde eu tinha que dar aula pouco tempo depois. Trânsito na estrada 4, como sempre, engarrafamentos na altura de Petach-Tikva, e depois em Ashdod, mais ao sul, do lado de onde eu moro (dei tchauzinho simbólico para a Preta que, coitada, vai ficar sem passear hoje). Daí em diante o cenário parecia de filme. Os trigais já foram colhidos, mas os fardos de palha continuavam no campo. Do lado, um campo de girosóis. Me lembrou a época em que cheguei em Israel e fazia passeios a pé intermináveis naquela região (mais por falta do que fazer do que por esporte – velhos bons tempos). Campos de girasóis aqui têm cheiro de eucaliptos, porque quase todos os campos são cercados de árvores, bem como as estradas. (Sabem por que? Solução criativa de quem precisa se locomover sem ser alvo de franco-atiradores palestinos).

De longe, em alguns lugares se viam cubinhos brancos com triângulos vermelhos por cima: Kibutzim e um pedaço de Sderot que se vê da estrada. Cheguei cedo. O rádio estava legal e eu resolvi sentar no estacionamento que fica na beirada de uma dessas plantações de cubos amarelos. Abri aquela cartolina horrorosa que se usa para proteger o parabrisa do sol quando se estaciona e sentei em cima. Me senti um muçulmano abrindo o tapete para rezar em direção a Meca. A diferença era que eu lia meu livrinho (The Kite Runner – que eu também preciso às vezes alguma coisa para só-ler-e-não-pensar-em-nada) e ouvia musica irlandesa voltado ao por do sol (assim que minha Meca fica em algum lugar na Europa – talvez Irlanda...). Fiquei pensando como é legal essa mistura de cidades e plantações, onde se vê uma linha bem definida onde começa um e termina o outro. Onde eu moro é assim, e a Preta adora sair da cidade e entrar no campo, onde eu invariável e propositadamente me perco, para me achar (em todos os sentidos) horas depois.

Fui achado pouco antes do começo da aula pelo Lior, o único da turma que chega na hora. Deu oi, achou engraçado eu descalço, sentado no chão em cima de um tapete de cartolina, portas do carro abertas, ouvindo musica e lendo. Mas entendeu e acho que até gostou da ideia. Pouco depois me arrumei e subi para a aula. Já estava ficando escuro e - surpreendentemente – frio. Meus Routers, cabos e Switches me esperavam. Khaled Hosseini vai ficar para o fim de semana.

domingo, junho 04, 2006

Filme da semana

(Filme da semana eh publicado eventualmente, quando da na telha)


http://www.youtube.com/watch?v=whGVaLoIvkw

sábado, junho 03, 2006

Dor de dente é evidente.

Dor de dente é evidente. Desta vez eu apelei para minha cultura geral. Tenho lá meu vestibular já prestado e minhas leituras parcas mas ecléticas. Daí que sei que há um único nervo que atende a todos os dentes do maxilar superior direito, e outro para o esquerdo (que no momento não me incomodava), cuja rota segue por dentro do osso da face, concentrando tudo no caminho e passando rente ao ouvido, até chegar onde todo nervo deve um dia chegar, seja lá onde for (suponho que seja no cérebro. Mas sendo que o meu é pequeno, atrofiado, fico na dúvida). Assim que, apelando pela minha medicina de revista-de-sala-de-espera (que não inclui o enorme conhecimento adquirido "lendo" playboy, uma vez que esta raramente consta entre as revistas de sala de espera, mas especialmente porque não costumam se concentrar na anatomia bucal), que decidi me virar dessa vez. Disse a mim mesmo que era a sinusite que me atacava de novo, ou um furúnculo dentro do ouvido externo. Ambas as duas coisas podem ser confundidas com dor de dente. A segunda se cura com o tempo e se diagnostica com a primeira cotonetada. Da primeira nunca me curaram, mas pode ser ajeitada com antibióticos e diagnosticada com radiografia.

Esse escapismo todo já nem é mais medo de dentista. Minha relação com eles é muito boa, embora conheça poucos, e me relacione intimamente com quase nenhum. Para com os que me atendem tenho a mesma reação àquela que tenho com planos econômicos: tapo o nariz, fecho os olhos e engulo sem sentir gosto. Enfim, a man's got to do what a man's got to do. Vou, abro a boca, e o sujeito que faça o que tem de ser feito. E que por favor o faça o mais rápido possível. Vou para casa, tomo sorvete no caminho e tudo acaba.

O meu medo hoje é do gerente do banco. O que se passa é o seguinte: Você entra em um consultório dentário. Vai dizer o que? Olá, doutor, tenho uma unha encravada? O encanamento lá de casa precisa de uma reforma? Deu pau no windows do meu computador? Não. Não precisa dizer nada. Nem o dentista. Você entra, cumprimenta senta e abre a boca sem dizer nada. O dentista já sabe para que você está ali e na verdade nem precisa fazer nenhuma pergunta. Em geral acha o ponto G imediatamente. A comunicação toda reduzida a fatos. A sociedade como uma caixa de engrenagens rodando bem e em silêncio.

Já no banco, a coisa é diferente. Você pede para falar com o gerente, ele te atende com aquela cara de gerente de banco esperando pelo óbvio e então você tasca: Tenho dor de dente.

Ele já deve ter ouvido coisas ao estilo "Enterrar a vó", "Concertar o carro, o senhor sabe, preciso dele para trabalhar", ou então "empréstimo para lua-de-mel" e tantas outras historinhas interessantes que o povo inventa (ou aumenta, ou até tem o azar de ter-las como biografia mesmo) para arrancar uma linha de crédito. Mas "Tenho dor de dente" deve ser qualquer coisa que se não o surpreenderá, ou pelo menos, assim espero, o enternecerá – será afinal a mais pura verdade.

Acontece que hoje em dia para se ir ao dentista sujeito tem que vender um rim. Você vende o rim e tem o seu dente de volta. Que tal? Não gostei. Pensei em outra coisa qualquer para vender: a televisão, já que só tem porcaria. Mas na minha boca ultimamente só entra porcaria também. Dá na mesma. Trabalhar horas extras? Não vai dar pé. Trabalhar em algum trabalho por fora qualquer? Baby sitter, pintar paredes... ou coisas menos cotadas pela sociedade ocidental moderna?

Bem, no fim me virei. A dor só aumentava e se tornava inconfundível com qualquer outro diagnóstico possível. É que nem o governo que está aí. Você sabia da merda que ia dar, só não queria acreditar. E então a merda se deu. Comecei a pular pela rua, e não era de felicidade. When a man's got to go, a man's got to go. E assim fui.

Se deu como previsto: eu cheguei atrasado (na falta de um estacionamento perto do consultório, como sempre) e o doutor estava no horário. Sentei e esperei pelo próximo turno, lendo as já citadas e proverbiais revistas-de-sala-de-espera. Não estava esperando me divertir e realmente não foi divertido.

Me chamou para entrar o dentista, realmente sem perguntar o que eu fazia ali daquela vez. "Minha situação econômica não me permite ir a um urologista, então vim me consultar com você" poderia ser uma das milhões de gracinhas que eu poderia dizer se ele me perguntasse. Mas não perguntou, para minha felicidade: afinal não estava com clima para gracinhas e naquela hora sorrir não era o melhor remédio – MESMO.

Existem momentos na vida em que meu agnosticismo é botado à prova. Passo sinceramente a acreditar que existe um ser superior que cuida e protege os seus. Depois daquela consulta tive um momento desses. Não! Não que o Divino tenha se mostrado a mim numa mancha numa radiografia do meu molar direito superior (um velhinho de barbas brancas estampado nas raízes do meu dente soa não só herege, mas principalmente ridículo – e, agora escrevendo me ocorreu o pior: já pensou se meu molar se torna ponto de peregrinação?! Velhinhas de joelhos e velas nas mãos vindo à minha casa pedindo para ver meu molar... não ia ser mole). Também não foi uma mensagem escondida no zunzunzar da broca de alta rotação, nem a anestesia que pegou no nervo errado e me fez ver coisas.

O que aconteceu foi o seguinte: Depois do dentista mexer e cutucar (com aquela delicadeza peculiar à classe) e depois de dar uma olhada na radiografia ele me veio com o diagnóstico. Eu já esperava que este incluísse cifras extraterrenas e uma lista de nomes feios. Mas não. Ele disse que eu tinha uma pequena infecção na gengiva e me receitou um anti-inflamatório e um antibiótico. Me cobrou só pela radiografia e me mandou para casa. E nesse momento eu quase acreditei em Deus.

Hoje, vários meses depois deste episódio, não acredito em Deus, nem em gerentes de banco, muito menos, e principalmente em dentistas (e que me perdoem meus bons amigos dentistas – não é por motivos pessoais). A dor voltou meses depois, o dente foi devidamente canalizado e eu morri com três barões que tive a graça de não precisar chorar no banco. Confio hoje é no meu cofrinho.