sexta-feira, dezembro 04, 2009

Tel Aviv em fotos.

Obrigado ao @hofnik pela dica;

Fotos por Shay Sapir.


Created with Admarket's flickrSLiDR.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Comida Típica Israelense

Quais são as comidas típicas de Israel?


Esta pergunta envolve uma enorme gama de respostas complexas que por vezes podem vir a agredir povos e culturas.

Por exemplo: a maior religião monoteísta do Oriente Médio se chama Humus. Quase todo país da região se considera pátria "mãe" do Humus e todo povo acha que seu Humus é bem melhor que o Humus dos outros.

É a ponto de altíssimas porradas.

Um caso exemplar é o do Líbano inventando de criar o maior prato de Humus do mundo. Um feito que só pode ser comparado com o de Neil Armstrong fincando a bandeira americana na Lua para confirmar que aquilo, em nome dos americanos, pertence a toda a humanidade. O Líbano, com suas toneladas do prato afirmam: O Humus é nosso - e ninguém tasca!

Nem em Israel é questão clara. Onde está o melhor Humus? Yaffo? Abu-Gosh? Jerusalém? Cada um tem seu Humus preferido e se você inventar de discutir que aquele seu é melhor, vai acabar levando uma pratada na cara.

Israel obviamente não poderia ter algo a ser chamado de "comida típica". Tem uma história de imigração de pouco mais de 150 anos, em uma terra que já foi controlada por diversos governos e povos, por onde já passou uma quantidade não desprezível de povos que ficaram aqui por tempos variáveis. Os que aqui agora estão trouxeram cada um o seu prato. Palestino, Druso, Buhari, Iraniano, Iraquiano, Marroquino, Tunísio, Egípcio, Liberiano, Polonês, Lituano, Russo, Ucraniano e depois ainda Argentino, mais Russo, Brasileiro, Americano, Francês e finalmente Filipino e Chinês.

Questão de Semântica;



Um israelense médio, de inteligência média, de conhecimento de mundo médio e de opiniões médias vai afirmar, sem pensar demais, que comidas típicas israelenses são:







Bourekas







Café Turco













Tshunt ou Hamin








Humus








Salada Picadinha








Shawarma





Nenhuma dessas criadas em Israel propriamente dito. Nenhuma consumida especificamente apenas em Israel, e comudas abundantes pelo mundo inteiro. O que me leva a uma pergunta mais interessante:

O que é comida típica?




  • Seria uma comida cuja origem é a do país/região?

  • Seria uma comida cujo consumo se dá caracteristicamente naquele país/região, mas não em outros?

  • Ou seria uma comida que simplesmente não existe em outro lugar do mundo?


Fico me divertindo cá a pensar num restaurante de comida típica brasileira aqui em Israel ou outro lugar do mundo. Teria que incluir no mesmo menu Tutu à mineira, churrasco, vatapá e coxinha. O Brasil é vasto demais para ter um único tipo de cozinha realmente típica. Israel é vasta demais culturalmente para o mesmo.

Mas não deixarei meus leitores na mão e vou tentar responder à pergunta de "Quais são as comidas típicas israelenses" baseado nos três critérios que suspeito serem bastante úteis:

Bamba;




Porcarídeo de milho e manteiga de amendoim. Inventado em 1964, tem mais de 25% do mercado interno em Israel. Tem cara de cheetoos, mas tem gosto de... bem, amendoim. Parece estranho para um brasileiro, porque vem em uma forma, cor e embalagem que nós vemos associados com salgadinhos, mas Bamba é doce. No entanto após o segundo ou terceiro pacote é absolutamente viciante.

Bamba é a terceira palavra que nenéns israelenses aprendem a falar (às vezes segunda, ou primeira). Já vi pais conversando na frente dos filhos e dizendo "The B. Word" para evitar a catástrofe de terem seus nenéns gritando que querem um pacote.

Shkedei Marak;





São uns micro biscoitinhos amarelos, salgadinhos, com um leve gostinho de caldo de galinha que fazem a alegria de qualquer inverno.

Assim como para mim wasabi é o verdadeiro motivo para se comer sushi, Shkedei Marak é o verdadeiro motivo para se comer sopa.

Eles são despejados no prato e consumidos junto com a sopa. E rápido, para não encharcarem. O truque é colocar bastante, comer tudo que está ali boiando, e daí colocar mais.

Tem quem coma puro. Mas daí são os hardcores.

Café Instantâneo Elite;





Uma das coisas mais perturbadoras que vi quando cheguei em Israel foi esse café. Tem cara de areia. Tem gosto de areia e só não tem consistência de areia porque é solúvel. Logo depois descobri um fato ainda mais perturbador: israelenses *adoram* esse café.

Café instantâneo à moda israelense;



Assim: em um copo de papel, coloque uma ou duas colheradas de açúcar. Daí despeje uma colher cheia do café solúvel de sua preferência (a preferência israelense é o café Elite, aí de cima). Encha com 1/3 de água quente. Acrescente leite frio a gosto.

"Mukpatz";



"Mukpatz" é a palavra israelense para "saltado", ou "salteado", ou nesse caso, frito numa Wok. É um nome-código para comida chinesa falsificada. É um monte de verdura de proveniência duvidosa, molho de soja de proveniência duvidosa e uns pedaços de frango de proveniência duvidosa. Frita tudo e diz que é comida chinesa. O cliente ainda é brindado com a opção de colocar tudo dentro de uma baguette e sair comendo. Como come-se disso muito por aqui, como nunca vi disso em outro lugar do mundo, e como imagino que tenha sido inventado aqui mesmo, vale como sendo comida típica.

Sugestões de outros? Aceito nos comentários!

sábado, novembro 21, 2009

Cachorradas Internéticas

A impressionante incapacidade das pessoas em discutir com ponderação assuntos que possam envolver forte carga emocional sempre foi algo que me perturbou. Na Internet, protegidas pela distância física e pelo anonimato as pessoas passam longe do ponto onde já deixaram de ser ridículas, e passam a agir como psicopatas. Os assuntos esses são variados. Vai desde o tema da legalização do aborto, passando por religião, politica nacional, internacional, Oriente Médio, direitos dos homossexuais e, esta semana que passou, o direito de comer cachorro.

Foi um tema bem vindo, porque apesar de ter opinião formada a respeito de vários outros temas controversos (e tenho eu cá minhas opiniões controversas, por motivos controversos), neste tema de culinária canina me vi em um mato sem cachorro.

Alias, minha opinião sequer conta aqui. O que quero discutir é a discussão em si, e a dificuldade das pessoas de transpor a barreira emocional e simplesmente usar o cérebro para pensar, raciocinar e usar todas as maravilhosas faculdades logicas que essas atividades proporcionam.

A Historia



A discussão começou com a interdição de um abatedouro de cachorros em Suzano. Admito que li a notícia com certa estranheza. Prepara-se churrex e filet-miau no Brasil desde os tempos em que inventaram a fome. Mas abatedouro para mim, no Brasil, era novidade. Não me abalei, não me impressionei e toquei minha vida adiante.
Até que me deparei com este post daqui.
O texto em si nem me chocou, nem me emocionou nem me perturbou. Foi um texto escrito em tom de gaiato e sincero que eu pessoalmente não consegui concordar nem descordar.

Já os comentários me perturbaram. Não cheguei a ler os mais de 300 comentários (até o dia de hoje), mas os que eu li eram raivosos, rancorosos, violentos, ameaçadores. Nenhum - repito - nenhum deles especificava o porque do comentarista ser contra comer cachorros, como se fosse óbvio, e o blogueiro um delinquente que não está entendendo nada.

Usando o Cérebro.



Me propus a analisar não o fato de comer-se cachorros ou não, não o fato disso ser ético, bonito, gostoso ou não. Simplesmente analisar a reação assustadora das pessoas que comentaram neste caso (e fazer uma analogia para outros assuntos mais pesados). Mas para isso, devo antes deixar claro que, de óbvio, o assunto não tem nada.

Consensos, quando não são baseados em fatos são na verdade uma enorme montanha de preconceitos. Por que ninguém chia quando alguém come carne de porco no Brasil? O que tem o porco de inferior ao cachorro que faz com que seja perfeitamente aceitável não apenas comê-lo, mas criá-lo para este fim?

Porcos são e foram em várias situações e locais animais de estimação. São fofinhos e são extremamente inteligentes, podem servir para prestar vários serviços. Simplesmente não consigo encontrar nenhum fato, que não seja simplesmente cultural, que caracterize o porco como sendo biologicamente em nível inferior ao cão.

Poderia escrever odes às vacas. Vacas podem não ser extremamente inteligentes, mas são carinhosas, tem personalidade e podem vir a ser até bem fofinhas. Vários amigos meus, urbanos até os ossos, ao virem passar um ano aqui em Israel, voluntariando em um kibutz, simplesmente se apaixonaram pelas vacas que cuidaram, chamando pelo nome e tudo mais.

E assim fico tentando imaginar por que nos causa ojeriza (pelo menos a alguns de nós) comer carne de cachorro. Certamente a resposta não é biológica, tampouco é obvia. E certamente não deveria ser fato tido como garantido.

Porrada da Brava.



Quando pessoas tem seus brios culturais atacados, perdem as estribeiras. "Como assim comer cachorro?!" Um consenso não deveria nem sequer ser questionado. Ou deveria?
Não.
Realmente não deve ser questionado, afinal, se fosse não se chamaria consenso. Consensos e ideologias existem como uma especie de piloto automático. Ao invés de se gastar tempo, vitaminas e fósforo do cérebro pensando, usam-se consensos para nortear a vida, tomar decisões importantes de maneira imediata.

Consensos e ideologias são dispositivos tão poderosos na psique humana que provavelmente já foram muito úteis, até mesmo vitais na história evolucionária humana. Por exemplo: se é consenso não comer cachorro (ou porco, como aqui no Oriente Médio, ou vacas, na Índia), melhor nem questionar - afinal:


  1. deve ter um motivo para ter se tornado um consenso, não?

  2. a gente vem comendo nossa comidinha e ninguém morre disso. De repente, assim, sem explicação, sair comendo cachorro? Pode dar nó nas tripas. Melhor manter-se dentro do consenso.


Isso explica o fato das pessoas não questionarem seus próprios preconceitos, consensos e hábitos. Só não explica o porque de ficarem tao ofendidas quando alguém o faz.

Já vi bons amigos sem nunca mais se falar por uma discussão a respeito do direito de aborto. Uma pancadaria a respeito da liberação das drogas e milhares (provavelmente milhões) de pessoas assassinadas por motivos religiosos.

Ah! Se as pessoas lessem Platão...!



A grande parte dos maiores maus entendidos a que tenho presenciado são de ordem lógica. Lógica pura. Escreve-se uma coisa, leitores a leem e interpretam do jeito que querem, assassinando mais de 3000 anos de estudos de lógica. Aqui vão alguns exemplos;


  • Generalização do caso particular: "Há um carioca que coloca katchup na pizza". Conclusão: "Todo carioca põe katchup na pizza".

  • Generalização invertida: "Todo míope usa óculos". Conclusão: "...portanto todos que usam óculos são míopes."

  • Generalização de um caso particular com inversão: "Há um carioca que coloca katchup na pizza". Conclusão: "pôs katchup na pizza?! Certeza é carioca!"


Outros exemplos clássicos envolvem a estatística. Estatística é uma parte da matemática complicada e, ao contrário do que se pensa, muito pouco intuitiva. Erros estatísticos em geral são uma compilação de achismos baseados na experiência, ou nas aparências.

Exemplos disso são pessoas vendo na propaganda da loto na televisão, ganhadores sorridentes e felizes em uma entrevista. Pensam: "Eles ganharam. Nós também podemos ganhar!". Se TODOS os perdedores forem entrevistados, cinco segundos de entrevista cada um, ficaríamos ANOS na frente da televisão, sem fazer absolutamente mais nada (nem dormir) vendo essas entrevistas. A ideia de que ganhar na loto é trivial diminuiria significavelmente.* É o mesmo processo que faz pessoas terem muitíssimo mais medo de voar de avião do que andar de carro, apesar do segundo ser várias vezes mais perigoso e mortal.

Erros estatísticos "provam" que comer cachorro é errado: afinal come-se muito mais porcos que cachorros, não? Não. Ou melhor: não sei. Ou melhor ainda: é provável que ninguém saiba, pois não existem números confiáveis. Mas assim nos parece, afinal, nas nossas redondezas, costuma-se ver muito mais gente comendo carne de porco que carne de cachorro.

É o mesmo tipo de erro que apresenta Israel como sendo um lugar perigosíssimo (talvez ainda não tanto quanto Gaza), onde a única coisa que há são guerras e morte. Muitíssimo mais perigoso que, por exemplo, o Rio de Janeiro. (No Rio de Janeiro morreram apenas em confrontos policiais - sem contar aqui assassinatos civis, afinal estou falando de uma guerra - mais de 10000 pessoas. Desde 2000, morreram entre palestinos e israelenses pouco mais de 12 mil). É verdade que ver o Rio nos noticiários como sendo violenta é figurinha carimbada. Aliás, tão carimbada, que assassinatos por lá já faz mais de meio século já não são mais notícias. Já Israel nunca nem jamais aparece em outro contexto que não o do conflito - e quanto mais armado e violento, mais aparece.

Erro estatístico é fácil de se transformar em um pré julgamento. Seguindo exatamente a mesma lógica (ou falta de) que apresentei logo acima, conclui-se que negros são bandidos. Pelo sim, pelo não, atravessa-se a rua para a outra calçada se a rua estiver meio escura e meio vazia. Pré julgamento esse que quando é sobre uma pessoa, baseada em suas origens, se chama de racismo.

"Oras! Você já viu um japonês burro? Um judeu pobre? Uma loira formada em física quântica?" e assim por diante. Colocando assim parece tudo muito óbvio. Mas quando se fala da reação raivosa de gente que usa consensos ao invés de usar a cabeça nada é muito óbvio.

O caso da Geisy Arruda é perfeito para ilustrar. Antes, durante e (pasmaram as feministas) até mesmo depois do linchamento moral da moça, muita gente (talvez a maioria) seguia achando que quem estava errado nesta história toda era a aluna. Afinal "quem anda de vestido curto cor-de-rosa choque está pedindo para ser escorraçado, não?", porque "quem se veste assim é puta".



Prá porrada! Prá porrada!



Se um sujeito vive sob um ideal e um consenso, vai lutar como uma fera para não ver seu mundinho desarmar-se. Uma pessoa é facilmente manipulável para agir de maneira violenta ao ter seu consenso questionado. Uma turba é mais ainda. Especialmente porque consensos tem seu respaldo pelo fato de serem aceitos pelo grupo. "Como assim eu estou errado? Eu? E todos esses meus amigos e colegas e familiares? Tudo completamente errado e você certo? Oras! Quem é você?" E assim, sem pensar muito (na maioria das vezes, sem pensar nada) o sujeito parte para a ignorância, e despeja toda raiva no questionador. Foi assim com o blogueiro e sua vontade de provar cachorro, foi assim com pobre moça da Uniban.

As vezes a briga se divide em times. Os Petistas e os Tucanos. Os comunistas e os capitalistas, os Flamenguistas e os Fluminenses. Os pró-vida e os pró-escolha. Os pró-Israel e os pró-palestinos.

O aglutinamento de todos os pensamentos possíveis em duas vertentes é comum, pois dicotomia, dualismo, dualidade é mais fácil de virar um consenso do que um mundo multifacetado e complexo. E, como já cansei de dizer, o hábito é o de pensar o menos possível e usar os instintos o quanto mais.

Às vezes, numa briga desse tipo, é mais importante mostrar que o outro lado está errado do que postar-se como estando certo. Outra tática bastante comum é desqualificar o "adversário". Para isso vale xingar a mãe e citar preferências sexuais. Nada relevante para o argumento.

"Comer cachorrinhos é errado porque... porque... porque... Oras! Porque você é quem está dizendo que comeria cachorrinhos, e você é um monstro!"

Táticas de Guerra



Clichês;



Na verdade veio em boa ora este novo assunto porque os velhos já estão saturados de clichês. Clichês são frases de efeito gravadas na memória de milhões de idiotas torcedores de certo bloco que são imediatamente usadas como trunfo em meio à discussão. Entender o significado da frase é dispensável, e conhecer a origem dos fatos que ele apresenta também é desnecessário para um bom brigão.

"Fetos já tem pensamentos e sentimentos dentro da barriga da mãe!" contra "O corpo é da mulher, e ela tem direito de fazer com ele o que quiser". Ambos os chavões são populares, suas acuracidades manipuladas de forma a parecerem absolutas e de difícil resposta. Não se baseiam em qualquer dado científico, moral, filosófico ou lógico.

Citar fontes;



"Li na Veja", ou "Olhe este artigo na Wikipédia", "foi meu avozinho que falou. E ele nunca mente", são comuns. Já me deparei até com "foi Deus que me disse!".

Não entro em discussões acadêmicas. Não procuro fontes absolutas nem sequer costumo checar-las muito. Mas se alguém faz um comentário malicioso sobre determinado assunto (religião, ou ateísmo, ou sobre o conflito no oriente médio, ou sobre comer cachorros) e usa como respaldo uma citação, é importante verificar exatamente quais são as motivações do autor citado. No caso do conflito do oriente médio, ou história de Israel (assuntos que posso discutir com relativo conhecimento, e portanto sei) é difícil encontrar até mesmo um acadêmico que já não tenha tomado um partido bem antes de iniciar a pesquisa. Normalmente por motivos religiosos, motivos psicológicos (culpa, medo, ansiedade) e que cavucou a História para encontrar dados que provem a teoria (ao invés do método científico de gerar teorias para explicar os fatos). Raivosos discutidores profissionais da Internet adoram gritar que isso não invalida os dados. Gritam tão alto que esquecem que nenhum dado vive sem seu contexto.

Mudar de assunto;



A melhor colocação desta tática eu vi no filme "Obrigado por Fumar". O trecho relevante começa no vídeo abaixo depois dos 5:45 minutos. Mas o filme está todo no YouTube, e vale à pena vê-lo todo.



Xingar a mãe;



Prá falar a verdade, existem várias variações de xingar a mãe que para um desatento pode parecer como mudança de assunto. Fica por conta do interlocutor aproveitar para cair na porrada também, ou simplesmente deixar prá lá.

Mas por que não dá certo?



O mais importante motivo para uma discussão, seja fora da Internet, mas especialmente dentro simplesmente virar uma gritaria entre surdos, é o que eu chamo de Teoria da Brecha.

Há uma nítida impressão de que cada vez que se concorda com o que o interlocutor afirma, dá-se um ponto para ele, e ao seu argumento. A impressão é a de que quanto mais certo ele estiver, mais errado você estará. Abrir uma pequena brecha para o "inimigo" é impensável. Isso simplesmente faz com que pessoas razoavelmente inteligentes neguem o óbvio.

Exemplos:



  • Numa discussão sobre o direito do aborto, um "pró-escolha", em meio ao argumento, afirma que um óvulo não é um ser humano. Imediatamente o "pró-vida" imagina estar abrindo uma brecha para o outro que vai acabar afirmando também que um óvulo recém fertilizado também não é um ser humano, e portanto nega que um óvulo não seja um ser humano.

  • Um petista se recusa a aceitar o argumento de um PSDBista de que a situação econômica mundial nos últimos oito anos foi muito favorável. Vai recusar porque acha que isso vai ser usado de argumento contra o Lula de alguma forma. Mesmo que seja a mais absoluta verdade, e não tenha muito que ver com a discussão em questão.

  • Um pró Árabe se nega veementemente a aceitar que os governos de maioria muçulmana no mundo ou são teocracias ou presidências totalitárias corruptas e hereditárias. Não vai aceitar não porque seja mentira ou exagero, mas porque acha que por estar aceitando isso, vai abrir uma brecha para o argumento do interlocutor, mesmo que este esteja a falar mal de Israel.

  • Finalmente, um "amiguinho dos cachorros" vai se recusar a admitir que vaquinhas e coelhinhos também são fofos, que porcos também são inteligentes e que comer peixe cru no Brasil, há 20 anos atrás também era considerado nojento.



O fim da linha psicológico simplesmente não permite conclusões lógicas. Não parece haver solução próxima, até as pessoas passarem a argumentar e a tentar entender com o cérebro, e não com o coração.

* - Boa parte deste argumento marcado pelo asterisco, incluindo exemplos foi retirado do fenomenal vídeo de Dan Gilbert, no TED:

quarta-feira, setembro 23, 2009

Requiém de um Ano Novo

Este post foi inteiramente escrito com essa música abaixo como trilha sonora. Por favor, clique "play" antes de começar a ler.



Eu vejo a Terra, em altíssima velocidade, urrando em silêncio pelo espaço, a mais de 107 mil quilômetros por hora, levando a Lua junto com ela, numa ânsia de engolir todos os 940 milhões de quilômetros que percorre ao redor do Sol, a cada ano. A Terra recomeça essa corrida a cada 365.25 dias, já faz mais de 4.6 bilhões de anos.

A Terra não segue um Sol parado, fixo no tecido do universo. Em cosmologia não existe nada parado. O Sol ataca desesperados 225 quilômetros por segundo ao redor do núcleo galático, percorrendo 163 mil anos luz a cada 250 milhões de anos. O Sol e outras estrelas que o rodeiam, 300 bilhões delas. Outras estrelas e poeira cósmica, nuvens de gás, berçários de novas estrelas, e fósseis de estrelas que já não fundem mais seu combustível nuclear, e servirão para adubar de metais e semimetais novos sistemas estelares.

Conosco o Sol nos leva neste passeio gravitacional ao redor do núcleo galático, onde se encontra um monstruoso buraco negro de 3.7 milhões de vezes mais massivo que o Sol.

E a Via Láctea, nossa galáxia também não é fixa no espaço e avança. Ela, junto com outras galáxias nas redondezas se afasta de todo o resto a 600 quilômetros por segundo, em uma viagem que ao que sabemos hoje, não tem volta, e acabará por pulverizar todo o conteúdo do universo em uma expansão sem fim.

Esta mesma Terra que segue esta carona gravitacional não é sólida. É quase uma esfera de silicatos e metais derretidos recobertos por uma fina crosta que boia sobre esse magma quente. A crosta se move, às vezes afunda, às vezes colide com outro pedaço maciço, e ao longo de milhões de anos gera formas geológicas inéditas, e aniquila outras.

Sobre esta crosta vivem literalmente milhões diferentes de espécies de seres vivos, entre animais, vegetais, fungi, bactérias e outros. Vários surgindo a cada ano, várias desaparecendo para sempre do livro da vida, ao longo desses 3.5 bilhões de anos de vida sobre a Terra.

Entre esses milhões, existe uma espécie, relativamente nova (menos de 150 mil anos) que não entende que não existem "lugares sagrados" nem na perspectiva do cosmos, nem da geologia - e que conta seus dias desde a "criação" em algo como cinco milhares de anos.

A Lua crescente que vejo da praia me parece sorrir, indulgente dos seus 4.5 bilhões de anos de idade, pegando carona com a Terra, com o Sol e com a Via Láctea, igualzinho a essa espécie, mas infinitamente mais humilde, porque não acha nada.

Feliz 5770

terça-feira, setembro 08, 2009

Da noite quando conheci Cid Moreira na casa do Embaixador

- Ele nunca entendeu uma única palavra do que ele lia - me avisou o Nahum Sirotsky a respeito do Cid Moreira.

- E daí? - Eu dei ombros - ele passou minha vida inteira me dando boa noite e fez uma carreira disso. Não é para qualquer um, né?

O Nahum poderia ter dito que o Cidão dava boa noite para todo mundo. Eu responderia que isso não fazia diferença. Eu estava lá na sala de estar ouvindo o "boa noite", e não importava que havia mais umas 60 milhões de pessoas ouvindo o boa noite também.

Agora quem estava na sala de estar era o próprio Cid Moreira. Que me conste, esta foi a primeira vez na minha vida que eu dei boa noite para ele. Dei boa noite e ainda tirei uma foto - coisa que o Cid Moreira nunca tinha feito até então: tirar uma foto comigo.

E como é o Cid Moreira? Me pareceu em melhor estado do que o Rostbeef que eu tentava equilibrar no prato quando fui ler a mensagem que o Zé Toueg me mandou avisando que o Cid Moreira estava na festa. O prato era meu segundo. O primeiro constava de muito vatapá, arroz, caldinho de feijão e provavelmente mais um monte de coisa boa que não como faz tempo e que não me lembro agora porque comecei a beber cedo. E comecei a beber cedo porque cheguei cedo, e cheguei cedo para poder beber bastante. A lógica circular se deve ao fato de eu ainda pagar impostos no Brasil.

São impostos importantes, que possibilitam os governos (municipal estadual e federal) a construírem escolas, estradas, hospitais, fundo mútuo de corrupção e pagar propaganda eleitoral. Como moro em Israel já faz mais de doze anos, não tenho tido muita oportunidade de fazer valer meus direitos de usar, no Brasil, de escolas, estradas, hospitais e muito menos fundo mútuo de corrupção. Quem me dera poder usufruir pelo menos da propaganda eleitoral que meu rico dinheirinho faz possível. "Vou, pelo menos, usar os fundos federais para beber um pouco", imaginei.

Pelos meus cálculos o governo federal ainda me deve várias feijoadas e algumas garrafas de whiskey. Mas como me proporcionou dar boa noite para o Cid Moreira e ainda falar sobre isso com o Nahum Sirotsky poucos minutos depois, me sinto quase ressarcido.

- Esse meu joelho está fodido. - Explicava o Nahum. - Foi um Gush Katif. Eu estava por lá e me apaixonei por umas vacas que eu vi. Fui me aproximar para ver melhor e um guri árabe me acertou uma pedrada. O outro joelho ficou ruim depois.

Ele contava sentado, segurando a bengala, muito animado, falando sobre tudo um pouco. Eu tentava acompanhar, olhando quem chegava, vendo quem estava lá, procurando conhecidos e de olho na fila para as carnes, que eu já tinha decidido que não ia deixar de pegar.

Uma obrigação cívica me fez deixar o prato ainda vazio de lado e, parado no meio da fila fui cantar o Hino Nacional. Fazia tempo que eu não ficava em pé, em posição de sentido junto com vários outros compatriotas cívicos, cantando tudo errado o Hino. Se é uma obrigação cívica de todo brasileiro cantar errado o Hino Nacional enquanto se segura um prato vazio na frente da mesa das carnes na casa do embaixador, bem como pagar impostos e ver propaganda eleitoral, então era o que eu ia fazer, se era isso necessário para fazer valer todo o vinho que eu estava bebendo (e que, bem como escolas, estradas, hospitais e a propaganda eleitoral, era eu quem estava pagando - embora só usufruísse mesmo do vinho).

Os discursos vieram depois dos dois Hinos Nacionais (do Brasil, e de Israel). Eu já estava bem estabelecido lá no fundo, com mais um copo de vinho e um prato cheio de carne e de farofa. O Embaixador Brasileiro em Israel cumpriu seu dever cívico em dar vergonha alheia em qualquer um que entendesse só um pouquinho de realpolitiks. Como todo cidadão, imagino que o Embaixador deva cumprir seus deveres cívicos, tais como cantar o hino errado e pagar impostos. Porém, como funcionário do Itamaraty, acumula mais esta obrigação: a de causar um enorme constrangimento, falando nada com coisa nenhuma, paz no oriente médio e até pré-sal.

Pouco depois de eu terminar de comer, começou a falar o representante do governo israelense, o Ministro das Finanças Yuval Steinitz. O Ministro das Finanças do governo de Israel é um israelense, e portanto tem deveres cívicos bastante distintos, como cantar o Hino de Israel errado. Eu por exemplo, tive que cantar ambos os hinos errado, como vários outros cidadãos dos dois países - embora eu fosse o único a fazê-lo com um prato vazio na mão. Além disso, ao contrário de todos lá, Yuval Steinitz não só paga impostos como também decide como serão usados. Ou pelo menos deveria, porque não é ele quem faz isso: é o Nataniahu. Ou melhor, a cúpula do partido do Nataniahu. Enfim, além de escolas, hospitais e estradas, impostos aqui vão para conflitos armados, postos avançados na Cisjordânia, e pouca coisa para propaganda eleitoral, ou para me alimentar com vinho nacional.

Yuval Steinitz, além de obrigações cívicas parecidas com a dos brasileiros, como cantar o hino errado e pagar impostos, teve adicionado obrigações cívicas que são só israelenses, como servir exército e tratar brasileiros pelos seus clichés. E bem como o Embaixador, tem a obrigação de causar vergonha alheia no Sete de Setembro.

Seu discurso foi tão estranho quanto improvável. Citou uma copa do mundo no Kibutz Bror Chail, um jogo com a Holanda e nem sequer fez menção ao pró-sal brasileiro, tão festejado pelo Embaixador em seu discurso anterior.

Lá pelas tantas desisti de ouvir, fui buscar mais vinho e procurar o Zé Toueg. Pela enésima vez alguém me perguntou por que eu chamo o Zé de Zé, já que o nome dele é Gabriel.

- Porque Gabriel sou eu. E eu cheguei antes. Tanto no mundo quanto em Israel. Portanto tenho preferência.

- E como ele te chama?

- Emanuelson. Ele Zé, eu Emanuelson e ficamos de acordo.

Só que Emanuelson nunca pegou, enquanto eu realmente não consigo chamar ele de Gabriel e para todos os efeitos já virou Zé.

Achei o Cid Moreira antes de achar o Zé, que estava lá sentado ao lado do Nahum, na beira da piscina. E depois do Cid Moreira, eu vi o Idan Raichel, e depois do Idan Raichel, eu vi um garçon com uma bandeija enorme cheia de quindins, e daí eu simplesmente não vi mais nada.

Comi quindins até o ponto em que eu passei a ver sentido na vida e até no Hino Nacional.

- Cheiro de guerra é cheiro de merda. - Me avisou o Nahum enquanto a gente tomava guaraná. - Quando cai uma bomba do lado de uma pessoa, ela perde total controle das funções intestinais. - E continuou: - Em 1973, eu fui fazer uma reportagem nas linhas perto da fronteira do Sinai com o resto do Egito. Eu fui entrevistar o cara dentro de uma cratera criada por uma bomba, com a esperança na máxima que uma bomba não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas caiu. Ali mesmo. Já fechei uns seis contratos para escrever minhas memórias. Mas não escrevo.

- Por que?

- Porque só sei reportar o que vi. Não sei escrever sobre o que eu senti.

- Mas o que você sentiu?

- Dor de ouvido, e cheiro de merda.

domingo, agosto 16, 2009

Anarco-Sindicalismo de base

Minha primeira experiência com o anarco-sindicalismo ativo foi em Ibbim, num movimento contra a burocracia burra e especialmente contra nosso aborrecimento geral e falta do que fazer.

O assunto da baguaça foi comida, e a comédia se consumou (ou se consumiu) em três atos. O primeiro foi a privação. Especialmente no item qualidade. Um bom exemplo foi a sopa que o Adrian resolveu fazer.

- Mas você sabe fazer sopa?

- Por supuesto! Es extremamente sensillo! Ferver el água, poner unos fidelitos y unos cubitos de caldo de gallina. Y listo!

Eu suspeitei de tanta simplicidade, mas ele parecia confiante. Depois da sopa passei a duvidar da confiança dele. Após fervida a água e de adicionado dois cubinhos, ele provou e julgou faltar sabor. Colocou mais dois cubinhos. "Perá... estava demassiado sin sabor... quisá mas dos... no, tres, no, seis!". E foi-se a caixa de cubinhos toda dentro d'água fervendo.

Para se ter uma ideia, a colher de plástico branca usada para misturar a coisa existiu invicta durante vários anos depois do episódio. E ainda estava manchada de amarelo até a última vez que eu a vi.

O segundo ato foi o ataque burocrático diretamente em nossos estômagos. Estudávamos hebraico no colégio de Sapir, uns cinco ou sete quilômetros de onde morávamos. Voltávamos para casa, preparávamos um prato simples (a refeição principal era a janta) e passávamos as horas. Mas eis que a Sochnut desenvolveu um nefasto plano para acabar com nossa "folga". Teríamos que comer no refeitório do centro de absorção.

A decisão arbitrária nos foi imposta pelo diretor do lugar. "Vocês tem que comer lá". Por mim não havia problema naquilo. Mas nós teríamos que pagar. E daí o buraco era mais embaixo. Não discutimos muito naquele momento e simplesmente decidimos tentar.

Mas a comida revelou-se ainda abaixo das expectativas qualitativas de gente que vinha tomando sopa radioativa do Adrian, como nós. Sentávamos e comíamos como todo mundo, mas no fim reclamávamos.

Com o tempo, passamos a desenvolver várias técnicas de fazer valer nosso dinheiro. Como bons latinos, comíamos devagar, falando muito e éramos normalmente os últimos a sair do refeitório. Como os russos pelo jeito não tem muito hábito de comer pão durante a refeição, deixavam vários pacotes de pão fatiado sobre as mesas. Levávamos tudo. E as frutas de sobremesa também. A diretoria não gostou, e resolveu contar o pão sobre as mesas.

Foram várias cartas de reclamação até que decidimos marcar mais uma reunião com o diretor (seria algo como a décima). A pergunta era: Por que éramos obrigados a pagar para comer no refeitório?

A resposta é típica da burocracia israelense. A Sochnut dava uma espécie de ajuda de subsistência para os jovens imigrantes enquanto estudavam hebraico. Mas eles descobriram que os russos gastavam tudo em cigarro. Como o dinheiro era pouco, eles resolveram pagar metade de uma refeição. Outra metade os próprios imigrantes pagariam. E não podíamos recusar, porque a metade do dinheiro da Sochnut já estava encaminhada. Como era dinheiro contado, a diretoria tinha que servir a refeição.

Ou seja: ainda por cima, a refeição custava o dobro do que estávamos pagando. E éramos obrigados a pagar porque um bando de hooligans russos gostavam de fumar e porque a diretoria não sabia como se virar com o dinheiro.

E aí começou o anarco-sindicalismo de ação no terceiro ato. Decidimos que as cartas e as reuniões não estavam mais surtindo efeito.

De qualquer maneira necessitávamos de um pouco de ação, e assim o fizemos. Entrávamos no refeitório, nos servíamos e começávamos a cantar, fazendo muito barulho.

"Liberte! Igualite! Eu não quero comer!"

Continuávamos sendo os últimos a sair de lá, depois de fazer uma zona lá dentro. E sem tocar em um grão de arroz sequer. (Antes de sair, ao nos levantarmos, cantávamos o hino nacional).

Alguns dos nossos amigos búlgaros começaram a gostar da ideia, e entraram na onda. Logo foi um casal da Bielorrússia e, enfim, em menos de uma semana, todo o resto.

O diretor, que havia sido cretino o suficiente a ponto de ameaçar nossa saída de lá se não pagássemos pela meia refeição, não podia fazer nada. Acusar-nos de que? De cantar o hino nacional? De encher os pratos sem comer?

De repente as cartas começaram a funcionar. Um dos importantes diretores da Sochnut resolveu vir visitar-nos e ver o que estava acontecendo lá pessoalmente. Menos de uma semana depois de começarmos a fazer barulho passamos a ganhar um vale para ser usado na cantina do colégio e comermos o que quiséssemos.

Embora gente no Brasil vire presidente por fazer esse tipo de coisa, aqui não tive muitas chances na política depois disso. Vai ver, também, foi porque nunca me candidatei a nada.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Ode a Sderot

Sderot ficou famosa nos últimos anos por ser uma cidade muito próxima da faixa de Gaza, e alvo fácil para os Kassam do Hamas. Teve sua época de ser bombardeada todos os dias. Recebeu atenção do governo, teve seus edifícios protegidos e reconstruídos. Saiu na TV do mundo inteiro e hoje, bem depois do último conflito armado em Gaza, segue o que sempre foi - um buraco dormente.

Sderot é uma cidade francamente feia. Pequena, bem espalhada sobre uns sobe-desce de pequenos montes e vales, feita quase toda de casas térreas mal desenhadas, antiquadas e sem qualquer característica própria (que não seja uma feiura discreta e inerente).

O primeiro lugar onde fui morar em Israel, logo quando cheguei não foi nem em Sderot - que é mais isolada que senador do PSOL - mas num lugar ao lado, mais isolado ainda. Minha primeira visão de Sderot foi de madrugada. Via umas luzes a uns 500 metros de distância. Iluminação pública, lâmpadas de sódio, alaranjadas, e de mercúrio, branco azuladas. Um espectro no limite da visão. "Aquilo ali é a cidade?" - Parecia brincadeira.

No dia seguinte eu vi por detrás da bruma do inverno forte um bairro de edifícios baixos, feios e mal feitos. Eram as luzes que eu tinha visto. Sderot estava uns dois quilômetros adiante, mais feia e desolada ainda.

Uma vez, quando tinha uns dez anos de idade, fui para uma colônia de férias no Rio. Nos levaram para o Projac um dia. Vi uma cidade cenográfica de verdade. Foi exatamente essa a impressão que eu tive da cidade, na primeira vez que estive lá. Parecia maldade de alguém. Havia três opções para se chegar lá. À pé, o que dava mais ou menos meia hora, de ônibus, que levava uns cinco minutos, sem contar a espera de meia hora, e de taxi, que não vinha a ser uma opção.
Desta vez fomos à pé. E à pé voltamos também, com sacos de compras do supermercado. O nomadismo repetiu-se quase uma vez por semana durante esses seis meses porque não havia outro jeito de se fazer compras, e comer era (e ainda vem a ser) uma necessidade.

O forninho elétrico que eu comprei (e o Adrian, meu roomate fez o favor de queimar, pouco tempo depois) foi em Beer-Sheva. Devidamente transportado de ônibus. As panelas também, no dia em que fui ao Ministério do Interior resolver meus papeis e ganhar minha carteira de identidade. Qualquer dia escrevo sobre minha decepção com Beer-Sheva, mas este post é sobre minha decepção com Sderot.

Se a cidade era feia, a região era muito bonita. Uma coleção de colinas cheias de plantações (na maioria girassóis) com pequenas estradinhas de terra para os tratores passarem entre os campos. Estradinhas essas sempre cercadas de enormes eucaliptos (truque inventado nos anos 50 para evitar que os fazendeiros fossem alvos fáceis para os Fadayun que partiam de Gaza para realizar atentados). Quase toda estrada da região parecem túneis por debaixo de árvores.

Quando há a colheita de trigo, outro motivo comum na agricultura da região, as máquinas fazem fardos de palha enormes e deixam os fardos no meio do campo por algum tempo. Durante este tempo, ao se olhar o horizonte e ver esses campos, parece ser uma plantação de cubos gigantes até onde a vista alcança. Sempre que dirijo pela região nesta época do ano tenho a mesma impressão - até hoje.

A vila estudantil em si poderia bem ser uma espécie de hotel. Um monte de casinhas de dois quartos sala-cozinha, uma a dez metros da outra. Cada quarto servia para duas pessoas, em umas caminhas que imediatamente tiravam a noção de "hotel" e passava a ser pouco menos que um albergue. Um albergue franciscano, ainda por cima. Caminha de colchão de espuma super fino, uma mesa e uma cadeira. Ah! Havia um pequeno armário também, para guardar todos os pertences de uma vida inteira a ser começada em Israel.

Eramos uns seis latinos americanos. Eu, a Débora e a irmã, a Andréa, eramos os brasileiros. O Adrian e a Silvia e o David argentinos, juntos comigo naquela casa - e a Carol, na casa das meninas. E mais de quatrocentos russos (que era um nome genérico para qualquer soviético, seja da Ucraina, Bielorrussia, Sibéria, Russia e afins).

Mais de quatrocentos russos.

E nós.

Além de caminhar vários quilômetros por dia afins de ir para nossa aula de hebraico, ou fazer compras, o que mais fazíamos todos os dias?

Como bem há de ser para latinos-americanos, causávamos problemas. Mas descrito o cenário, a ação fica para próximas postagens.

domingo, agosto 09, 2009

A brava história de um lençol

Depois que eu perdi minha esteirinha de palha de deitar na praia, e que minha canga comprada em Copacabana - e devidamente roubada da minha ex - foi extraviada por vias essas ou aquelas, decidi ir para praia com um lençol velho.

Outro dia eu virei para a Elke e disse: sabe, esse não é um lençol qualquer. Este tem história. Mais de 12 anos de história.

E eis a história do lençol, mais detalhado pouquinha coisa do que como eu contei para a Elke naquele dia na praia:

Ganhei aquele lençol na noite (três da madrugada) de 17 de fevereiro de 1997. Dois lençóis, um travesseiro, uma fronha e dois cobertores de lã (estava muito frio). Quem me deu foi o guardinha.

Sim, porque chegamos nós (eu, a Andréa e a irmã dela, a Débora) do aeroporto ao centro de absorção e não havia absolutamente ninguém nos esperando para nos receber. Nada mais nada menos do que tínhamos acabado de chegar para viver em Israel. Vindos de um voo de umas 20 horas num famigerado DC-10 (ainda existe?) da não menos famigerada companhia aérea Pluna (ainda existe?) e depois passado poucas e boas numa van-taxi até chegar lá.

A Andréa com sono, a Débora rindo dos meus comentários idiotas. Só de nervosa e eu, fazendo piada boba para esconder (ou afastar) meu próprio nervosismo. A gente tinha só acabado de mudar completamente de vida, a uma distância de 18 mil quilômetros, num país estranho, de língua esquisita e de gente idem. E as coisas não pareciam ter começado bem.

Eu sabia que Israel era uma bagunça, só não tinha ideia o quanto. E se era uma lógica responsável imaginar que eles sabiam que 3 novos moradores estavam por chegar, era pura fé que me fazia crer que eles teriam efetivamente se preparado para nossa chegada.

Pois bem, não tinham se preparado.

Nem sequer tinham avisado o guardinha (que era na verdade um soldado do exército, que sabia dizer Yes em inglês e tinha mais boa vontade que capacidade para tomar decisões e executa-las). Aliás, era muito mais inglês do que sabia o motorista da Van que nos trouxe do aeroporto. Eu lembrava de três palavras em hebraico que eu aprendi na escola primária. Tentei usar todas as três, em todas as combinações possíveis para tentar me comunicar com o motorista. Isso dá impressionantes 39 combinações diferentes (se contarmos com a repetição de palavras) de frases de até 3 palavras. Impressionante para mim, porque pro motorista não impressionou nem um pouco - ele seguia sem entender, ou sem querer se comunicar. Mesmo porque foram mais de duas horas de viagem pela madrugada negra passando - hoje eu sei, na época não sabia - por buracos horrorosos como Lod, Kiriat Malachi e afins.

Bom saber que alguém tinha explicado para ele onde nos deixar. Eu fazia alguma ideia de que era para ser em qualquer lugar perto de Beer-Sheva. Ou assim haviam me dito (mentido) na Sochnut, no Brasil, antes de vir.

Chegamos. E era desolador.
Tudo escuro, frio, e eu tinha a impressão de que ele nos tinha trazido para o fim do mundo. Além do mais, encontramos o portão fechado e o motorista já queria nos deixar ali e se mandar. De uma maneira ou outra (usando minhas 3 palavras em hebraico e mais Yes em inglês) consegui explicar para o guardinha a situação; que já transitava entre o ridículo e o periclitante. Tiramos nossas malas da Van (todas as nossas posses neste mundo) e o guardinha nos enfiou numa das casinhas ainda vagas da vila estudantil, até que no dia seguinte fossem tomadas as devidas providências e fossemos estabelecidos em nossas moradias definitivas (pelo menos pelos próximos seis meses). Estava um frio do cão e o guardinha depois de ter nos dado as chaves da casa, nos deu (a cada um) um par de cobertores, travesseiro, lençóis (2) e fronha.

Seis meses depois, quando entregamos as chaves e todo e qualquer material pertencente à diretoria e que teríamos que devolver, me dei conta que o guardinha (depois aprendi que se chamava Moshe, e já tinha saído de lá faz tempo) não tinha anotado os cobertores e lençóis que havia retirado do armazém. Um daqueles desfalques dos quais nunca ninguém se dá conta. E tendo me dado conta, fiz-me de bobo e aproveitei a falta de organização. No final levei-os comigo.

Os lençóis, ao longo dos anos, serviram para dormir, depois para cobrir sofá, depois de cortina e finalmente teve a morte decretada pela minha ex, que queria jogar tudo fora. Salvou-se, e hoje, desbotadíssimo, quase branco, meio rasgado em alguns pontos, me serve de canga na praia.

Vai morrer no mar, como bravo guerreiro viking.

terça-feira, julho 14, 2009

A propaganda da Cellcom, e quando o buraco é bem mais lá embaixo.

Comerciais televisivos são antes de tudo um sistema para costurar toda uma gama de imagens na cabeça do consumidor/cliente. A linha de costura é emoção, e aqui vale de tudo, desde paixão até humor.

Pessoalmente tenho um horror a esta propaganda por motivos estéticos. Os símbolos usados são absurdamente primários, passando de longe o óbvio, até mesmo para um observador não atento: soldados, como símbolo nacional, que une elementos de família, moral e "bom". A bola de futebol, como forma de comunicação universal, além de entretenimento. A música, uma versão moderninha de um clássico pop israelense. A locação é desértica, mas as cores são super-saturadas, puxadas para o azul.

Como se não bastasse como injúria suficiente, vem a linha que une tudo isso: a emoção da mensagem. E esta peca o pior dos pecados estéticos. É Kitsch. É mais que kitsch, é überkitsch. É exatamente o tipo de estética totalitária que pede para não questionarmos nenhum elemento do simbolismo. Quem pode questionar que quer paz? Quem pode questionar que o futebol une os povos? Quem pode questionar como é bonito ver jovens (supõem-se que do outro lado são jovens também) sobrepondo-se à calamitosa situação em que se encontram possam dar um tempo e dialogar com o "outro lado" por essa via tão humana que é o esporte? E sob um pano de fundo tão controverso ainda por cima! A música, as moças bonitas sorrindo... Sim, é para chorar, não?

Sim, porque truques tão baratos assim são para chorar mesmo.

Certo, mas não foi por causa da catástrofe estética que este comercial foi linchado (embora a falta de sofisticação seguramente piorou sua situação).

Qualquer palestino a se aproximar do muro hoje à distância suficiente para poder chutar uma bola, provavelmente vai ser morto antes de poder explicar que tudo que ele quer é "se comunicar via esporte". Qualquer objeto a cair sobre um veículo de patrulha do exército nesta posição provavelmente traria imediatamente um contingente de um pelotão do exército, alguns veículos de infantaria e um ou dois helicópteros. O fim da história seria muito feio.

Num mundo de fantasia que foi criado para emocionar (de maneira barata), todos os elementos que foram na verdade o que principiaram toda o ciclo de violência foram esterilizados. Até mesmo os palestinos foram profundamente esterilizados - porque nem aparecem. A tal ponto que fica difícil entender como é que não fazemos paz amanhã mesmo. E isso é barato e isso é cínico, basicamente porque como vários dos elementos esterilizados foram impasses criados primeiramente por Israel, isso tira boa parte da responsabilidade do lado de cá. Como se trata de uma companhia particular que não tem nada que com o governo e/ou política, apenas um grupo com necessidade viceral de tocar no sentimento das pessoas, tudo passa de cínico para pura cara-de-pau e muito mau gosto.

Bem, agora certas perguntinhas de ordem pratica e/ou filosófica;

Se a empresa é particular, qual é o problema dela divulgar o que quiser? O objetivo dela é vender produtos e serviços, não? Quem não quer que não compre!

Verdade. Problema deles. Meu problema é que a propaganda foi projetada para agradar ao gosto do público. E se 1) é essa realidade esterilizada que agrada ao povo, nós estamos em um baita problema e se 2) não é, mas depois de ralar muito a empresa chegou à conclusão que sim, então estamos em um baita problema.

Propagandas não foram feitas para retratar a realidade.

Verdade. Vide resposta acima.

Por que tanta polêmica por tão pouca coisa?

Porque trata-se da identidade do israelense médio, e por conseguinte, a capacidade de se poder chegar a algum acordo a médio e longo prazo. E tapar o sol com a peneira é uma coisa muito, muito feia, e só vai resultar em problemas.

Eu achei emocionante. Você é contra a paz?

Sou contra dar aspirina para doente de câncer. Desejar a paz não significa concordar e se emocionar com qualquer aparição da simbologia de paz. Não são a mesma coisa.

Para terminar, um pequeno resumo da ópera dos dois últimos dias, pelo Reuters;

domingo, julho 12, 2009

Deste lado do muro ninguém dá bola para eles.

Não tenho televisão, mas mesmo sem, ouvi o barulho tremendo da última propaganda da operadora de celular Cellcom. E o tremendo barulho foi imediato, em alto volume, e com razão.

Aqui vai a produção, que dispensa tradução, a não ser a frase final: "O que queremos, afinal de contas, é um pouco de alegria, isso é tudo".



O blog Dimi's Note coloca a coisa em sua devida proporção:

"(...)este comercial de um minuto diz muito a respeito de como mainstream de Israel gosta de se ver e aos palestinos:

  • Nossos soldados são todos decentes, esportivos, sem ódio - apenas profissionais.
  • O muro é uma parte normal da paisagem política - é ou neutra, ou muito positiva; ate mesmo o graffiti de protesto que adorna boa parte da do verdadeiro muro foi trocado neste vídeo por típicos rabiscos militares (por exemplo, "brigada C esteve aqui").
  • Palestinos não existem. Quer dizer, existem, mas não sabemos exatamente qual sua aparência. E certamente eles não tem soldadas tão bonitas quanto as nossas. Além do que, mostrar palestinos faria varias pessoas repelirem o comercial.
  • Os invisíveis palestinos terríveis-demais-para-serem-mostrados-no-horário-nobre, estão perfeitamente felizes de jogar com pessoas que os encarceiraram (note como o muro faz uma curva, dando a impressão de ser um pequeno cercadinho, ao invés de um gigantesco projeto engasgado num país inteiro.) Nós acreditamos tanto que eles devem estar contentes de jogar conosco, que quando eles não devolvem a bola (a bola deles), temos todo direito de gritar indignados "Nu?!" ("E ai?!")"

O engraçadíssimo blog Half and Half faz uma comparação com Contatos Imediatos do Terceiro Grau, e logo em seguida uma paródia de outros scripts tão ruins quanto. E o pessoal já começou a se indignar publicamente no Facebook, como publicou o Ha'Aretz.

Não me incomoda o comercial em si. Ele apenas me dá uma terrível vergonha alheia. O que me incomoda de verdade, é que boa parte da população israelense realmente acredita na "paz" entre aspas deste mundo cor-de-rosa e kitsch. Me incomoda que uma empresa tão grande e importante, ironicamente dirigida por um ex diretor do Mossad, tenha a incompetência suprema de usar este sonho cor-de-rosa e kitsch para vender uma porcaria de um conteúdo multimedia (que será vendido em sua maioria para adolescentes que sonham em entrar para o exército e metralhar quantos terroristas for possível)."

Me incomoda que este sonho cor-de-rosa e kitsch de paz não corroba com absolutamente qualquer aspecto da realidade. E o pior? Não corroba em absoluto com o aspecto mais importante de todos: os palestinos do outro lado do muro, e o próprio muro em si.
Desculpe, esse não é o pior. O pior, é como cita o Dimi's Notes na sequência:

"Quanto mais penso sobre este comercial, do ponto de vista de um ativista, mais triste ele me parece. Comerciais são direcionados para o mercado em geral, e como este, são cápsulas do tempo inestimáveis, representando os humores da população com muito mais fidelidade que qualquer arte. Eles não podem se permitir perder nem um único cliente - portanto documentam não só o que a sociedade realmente é, mas o que ela realmente acredita ser, o que pode ser tão decisivo quanto fatos e números."

sábado, julho 11, 2009

Do lado de cá do mar

Mar Mediterrâneo. Na verdade bem na beira do mar Mediterrâneo. Quatro ou cinco metros de onde a água chega. Na faixa de areia em algum lugar entre Frishmann e Alemby em Tel-Aviv.

Não é o "point". Não gosto de "points". Têm muito Ars por aquelas regiões e não me faz nenhum gosto. Mas o israelense típico é Ars, e vai me acompanhar desde os mais remotos confins do deserto do Neguev, até as montanhas do Galil. Então faço o que posso para evitar, mas deixo por conta da sorte os ventos mais silenciosos.

Afinal o que me enfadonha nos arsim é exatamente o que me fascina, o barulho que eles fazem. E já sei - ali sentado na praia - vão ser para sempre parte se não da trilha sonora, pelo menos da música de fundo em qualquer situação pelo país.

A hora é alguma coisa entre 2:30 e 3:00 da tarde. Nem olho no relógio. Conto o tempo por quantas cervejas eu já bebi, o quanto estou com calor (e portanto preciso de mais um mergulho no mar) e quantas páginas já li no meu livro.

Viro mais uma página, abro mais uma cerveja e suspiro a um acorde genial do King Crimson que me fez o favor de me aparecer no rádio, assim, sem mais nem menos numa tarde de sexta feira. Do meu lado direito um grupo de turistas americanos. Falam muito alto, e a conversa deles gira em torno de onde já foram, onde ainda não foram e quando planejam ir. Não devem ter mais que 25 anos. Talvez bem menos. São judeus, estão fazendo algum curso em algum lugar em Jerusalém e ainda sentem aquele orgulho misturado com encanto ingênuo de quem mora fora e vem passar só uns tempos por aqui. Sorrio para mim mesmo com um misto de ternura, inveja e pena deste sentimento deles. "Oh... If they only knew any better...".

Na minha frente o mar azul. Tão transparente que até dá para ver o lixo no fundo. Mais adiante, mar adentro, as quebra-ondas que transformaram quase todas as praias em Israel em enseadas. Depois dessa linha, barcos, windsurfing, jet-skis e, lá longe (juro, é só esticar mais o pescoço para ver) está a Grécia.

É claro. Entre eu e tudo isso está um exército de jogadores de frescobol. Eles chamam isso de "raquete", têm absoluta convicção que inventaram a atividade - e mais - que é típico israelense. Bem como as Havaianas que invadiram o país (um par por módicos 100 shekalim (uns 50 reais) e a certeza de que você pode ir com eles até mesmo para uma reunião de negócios. Chame isso de style, ou falta de. Os israelenses chamam isso de conforto).

Se vou dar um mergulho no mar e tenho que me defender desses batedores de bolinha, fico planejando mirabolantes planos em que eu levo a Preta para a praia, mesmo sendo proibida a entrada de cachorros. Ela adora bolinhas, e ia ser divertido ver ela arrebentando uma por uma, até que não sobrem nenhuma e o "tak-tak-tak-tak" do frescobol desapareça.

Do meu lado esquerdo têm um grupo de adolescentes-pós-vinte. As moças quase bonitas com biquinis que no Brasil iriam parecer uma imensa lona de circo. Os rapazes com shortes de surfista, anos 90, práticos e deselegantes. Um deles toca violão - graças a Deus ninguém aqui conhece nem Raul, nem Legião, mas inevitavelmente tocam Berry Sacharov (clique para ouvir), Machina (clique para ouvir) e o rapaz até tentou tirar um Aviv Guefen (clique para ouvir), não sem alguns protestos. Falam amenidades da vida, sem qualquer preocupação. Nem sobre assuntos sérios, nem sobre fofocas. Coisas da vida. Não fumam maconha. Mas eu sei que acabaram de fumar.

Uma turista (eu sei que é turista) provavelmente russa vai andando devagar até chegar com os joelhos na água. Usa um fio dental indiscreto. Mas não chama a atenção (além de mim, of course). Depois acompanha a loira uma morena de pele branca com um biquini horroroso de oncinha e entram no mar dando gritinhos a cada onda que passa.

Um único vendedor de picolé passa gritando. Dá saudades dos vendedores de matte e de biscoito Globo de Ipanema (não faltam coisas para ter saudades de Ipanema, mas neste exato momento penso num matte gelado e biscoito de polvilho que não como há anos).

Atrás de mim (me viro de costas para o mar com a desculpa de queimar um pouco as costas, mas é para ver e relatar aos meus parcos leitores) estão duas beldades-wannabe se tostando sob as areias de Tel-Aviv. Usam enormes óculos escuros Gucci, e fazem caras e bocas de quem esta fervendo. Não são feias, e estariam melhor na fita se não fizessem assim tanto esforço para ferver, quando estão só relativamente mornas. Ao lado delas um gordo branco, peludo e careca sentado numa cadeira de praia chupa um narguilê. Parece um paxá anacrônico de bermuda desbotada. Fala alto ao celular enquanto olha vidrado para o mar. O cheiro de fumaça adocicada chega até mim e me faz esquecer finalmente de Ipanema, onde o cheiro de fumaça é outro.

Duas adolescentes francesas cortam meu caminho espirrando areia para todos os lados. Uma bonitinha, outra horrorosa. Ambas maquiadas demais para praia.

Deste lado a vista é urbana. A avenida Ha'Yarkon e seus hotéis de luxo de uma arquitetura de um mal gosto tremendo. A maioria construída nos anos 70, beseado num projeto urbano criminoso que matou a avenida e a chance de salvação desta faixa da cidade. Estou quase de frente para a embaixada dos Estados Unidos. Um pouco mais ao norte, a embaixada da Franca. Li em algum lugar que o verdadeiro motivo pelo qual quase todas as embaixadas de grandes países se encontram em Tel-Aviv, e não em Jerusalém, e beira-mar, e não dentro da cidade, é por questões de segurança. Ninguém acreditava muito naquela época que o país vingaria por muito tempo, e decidiram colocar suas representações em lugar que pudessem ser evacuados imediatamente - pelo mar. Deve ser verdade. Ou pelo menos devia ter sido verdade, no passado. Hoje seria completa loucura sair de um imóvel tão valorizado e com vista tão espetacular.

Olhando para o sul, a Ha'Yarkon chega até Yaffo, e daqui se vê por trás da bruma do mar a cidade velha e a mesquita que vem antes dela. Ao norte, a enorme chaminé da usina de energia Ridling, ao lado de um pequeno aeroporto de vôos nacionais. As vezes passa um Fokker passando baixo, outras vezes um Hercules do exército. Às vezes passa um enorme Boeing preguiçoso e pachorrento pelo céu azul e brilhante se preparando para pousar no Aeroporto Ben-Gurion. Na maior parte das vezes só escuto, sem olhar para cima.

Escuto também sem olhar o salva-vidas gritando. Eles ficam numa casinha de madeira que parece um celeiro deslocado. São normalmente uns ex-surfistas barrigudos de meia idade, super bronzeados, sentados na varandinha do segundo andar, sempre a bater papo com algum amigo, olhando o mar e gritando em um alto falante: "A moça de biquini azul! Faça o favor de vir mais perto da praia. Vocês aí na rodinha! Mais para o norte, mais para o norte!".

Quando vou tomar uma chuverada (a água do mar esta quente demais para me refrescar o suficiente) ouço alguém no calçadão tocando um shofar. Não é nenhum conversor, inquisitor ou ativista pró religião. É só um maluco solitário que toca seu shofar numa sexta de tarde, no calçadão da Ha'Yarkon, e segue andando.

Antes de ter uma disfunção renal de tanta cerveja, acompanhado de diabetes induzida por uvas tão doces (enormes, sem caroço), amarro a trouxa e empacoto tudo na bicicleta para me encontrar com os amigos no sambão em Yaffo (já extinto por conta da burocracia da prefeitura). Não sem antes passar um tiozinho com um enorme carrinho, pedindo pelas minhas latinhas de cerveja.

De volta ao front

Depois de difícil temporada soterrado de entregas finais do semestre na universidade, um nó nas tripas, e uma total desintegração deste computador, este blog volta às suas atividades normais. Seja lá o que normal signifique.

segunda-feira, junho 15, 2009

Nem sim, nem não - muito pelo contrário. O discurso de Natanyahu.

Tudo previsível.

A linguagem messiânica, os movimentos de mãos de líder, e a impressionante quantidades de clichês repetidos ad nauseum.

Como previsto, Nataniahu deu um show de oratória. Falou muito, falou bem e não disse absolutamente nada. Invocou a história do sionismo, invocou as várias tentativas de aproximação com os palestinos (incluindo aqui dezenas de clichés sem gosto, e sem verdade) e fechou o botequim com o seguinte resumo:

Aceita sentar-se com qualquer líder árabe (ou com todos) para conversar sobre paz sem (sic) qualquer pré condição (embora não tenha especificado para conversar exatamente sobre o que);

Aceita a existência de um "lar palestino" (cá, perceber que a palavra "estado" não foi usada) desmilitarizado. Refugiados deverão ter sua situação resolvida fora das fronteiras de Israel. E Jerusalém seguirá indivisível (como se ainda o fosse) capital de Israel;

Sobre os assentamentos, Natanyahu conseguiu enrolar até a mim e a outros melhores que eu: afirmou que não construirá mais cidades, e que não expandirá as existentes, mas que se reserva ao direito de cuidar do crescimento natural da população afim de que possam "levar uma vida normal". Como, exatamente, ninguém entendeu. Vai construir casas debaixo da terra? Ou será que expansão é uma questão semântica discutível.

A resposta do Obama não leva em consideração que em momento algum Natanyahu explica o que fará com os postos avançados e as colônias ilegais (quem dirá as legais).

Enfim, quality time em frente à televisão, ao invés de ficar vendo novela.

sexta-feira, junho 12, 2009

O Caso do Colchão Velho

História absolutamente verídica relatada pelo Yediot Haharonot de ontem. Passou-se em uma pequena cidade satélite de Tel-Aviv não identificada pela reportagem.

O "causo" foi o seguinte. A filha, lá pelos seus 40 anos de idade, comprou um colchão de presente para mãe.

A reportagem ainda esclarece que ela ganhou um desconto especial pelo local de trabalho. É uma maneira cafajestésima que empresas de cartão de crédito e de promoções têm de se verem livres de estoques e de produtos encalhados: imprimem para os funcionários de empresas associadas um boleto de "desconto" e estes, que nem sequer pretendiam comprar qualquer coisa, se vêem compelidos a "aproveitar" a oportunidade.

Enfim, comprou o colchão. Como não realmente precisava do colchão, ficou lá ela a pensar com seus botões o que fazer com o colchão que não precisava: deu de presente para mãe. Mas dar de presente para mãe não parecia para a distinta uma bossa legal: vai chegar em casa com o embrulho debaixo do braço dizendo "mamãe, olha só o que eu comprei prá você!"? Enfim, pro soneto ficar pior que a emenda, resolveu fazer uma surpresa.

Chegou na casa da mãe com o colchão, quando esta não estava lá, levou e velho embora para junto aos latões de lixo na rua e ficou esperando a velha para fazer uma "surpresa".

Pensando nisso agora, me ocorre a impressionante quantidade de colchões atirados à própria sorte pelas ruas de Israel. Deve ter promoção à beça por aí, porque nunca vi povo para trocar de colchão como por aqui.

Enfim, chegou a mãe, que realmente ficou surpreendida. Tão surpreendida que desmaiou, e quase teve um ataque cardíaco. É que a velha costumava guardar suas economias dentro do colchão. Em dólar. E tinha ali dentro mais de um milhão deles.

Saíram as duas estabanadas rua afora em busca do colchão velho, que já tinha sido recolhido pelo caminhão de lixo. De lá correram, de carona (com um outro caminhão de lixo, a reportagem ainda acrescenta), até o depósito da região de Tel-Aviv. Depósito esse que recolhe mais de 3000 toneladas de lixo por dia.

Até o fechamento da edição, informavam, não haviam achado ainda o colchão.

Eu fiquei lá pensando: 1) Com o dólar, do jeito que anda, guardar economias em espécie é uma forma lenta de jogar todo o dinheiro fora, de qualquer maneira. 2) Se a filha - como fez questão de informar a reportagem - estava na casa dos 40, a mãe deveria estar lá pelos 60, ou 70. Fico a me perguntar: estava guardando o dinheiro para que? Ou para quando? 3)Se tinha tanto dinheiro, por que não trocou de colchão a própria mãe, pois como está na reportagem, o colchão já tinha "décadas"? 4) O colchão velho eu não sei, mas esses novos são absurdamente pesados. A filha provavelmente não poderia enfiar-lo dentro da casa da mãe sozinha, assim que certamente teve auxilio do motorista da loja - que foi provavelmente quem ajudou a jogar o colchão velho fora. E conhecendo tanto de colchão, deve ter reparado que o colchão velho tem uma estranha textura por debaixo do tecido. Eu não procuraria no depósito de lixo, e sim na casa de algum motorista aí que já pediu demissão faz tempo. E, finalmente, 5) 3000 toneladas de lixo por dia num único depósito de lixo num país do tamanho de Israel? Um colchão, que é 100% não biodegradável e em boa parte reciclável? Com uma política ambientalista tão precária, basta o Hamás esperar uns anos, e nós nos daremos conta de nos jogarmos no mar.