quinta-feira, abril 23, 2009

Ahmanimajad e esse monte de bestas do apocalipse.

Uma vez, faz uns anos já, estávamos eu e minha família num passeio por Gramado-RS. Minha Irmã, olhando a vitrine de uma livraria viu em lugar de destaque o livro Main Kampf, do Adolf Hitler.

Ela entrou na livraria, perguntou pela responsável pelo lugar e se deparou com a dona:

- Sou eu mesma, posso ajudá-la em alguma coisa?

- Sim, por que este livro - ela apontou pro dito livro na vitrine - está à venda aqui? Na vitrine?

A dona da loja, até aquele momento bastante educada e cortês, engrossou o tom e levantou a voz:

- Qual é o problema?

- Este é um livro racista - e seguiu meio que sem jeito tentando se achar no absurdo e no ridículo de ter que explicar para uma mulher adulta quem foi Adolf Hitler, o que aquele livro representava e porque não deveria ser nem sequer vendido, quanto mais exposto numa vitrine.

Nao conseguiu nem começar, tanto por senso de ridículo (que minha irmã tem de sobra) quanto pela grosseria da dona da loja, que fechou o tempo de vez:

- Se não está satisfeita, você pode sair da minha loja.

Me lembra essa situação constragedora ler e comentar em Blogs e forums por aí para gente que insiste em dizer que o que Ahmanimajad prega não tem nada demais, que o discurso, tirando em miúdos, não tem nada de falso, ou sequer racista. Acho que tenho ainda mais medo é de gente que insiste que a culpa é da imprensa, que pinta o presidente teocrata como um bicho papão, quando na verdade, tudo que ele quer é colocar outros povos contra seu inimigo político e varrê-lo do mapa. Eu tenho mais medo de gente "culta" que não tem senso de absurdo que da bomba que os Iranianos estão preparando. Mesmo porque, uma coisa advém da outra.

As Viúvas do Benjamim

Pósto de vez em vez a partir de agora de uma série que se chamará "As Viúvas do Benjamim" (nome que evidentemente, como tudo que é permanente, poderá mudar). Quase todos os fatos descritos (menos evidentemente a história principal que, na verdade, é inverossímil demais para ser levada a sério) são verdadeiros e parte integral da vida cotidiana deste país - e por isso me parece desnecessário (e até contraproducente) criar um outro blog para a série. Publico aqui, junto com os outros "snapshots" que tenho escrito, mas com formatação e identificação únicas, para facilitar a navegação.

É quase desnecessário dizer que os personagens descritos, além dos publicamente conhecidos, são frutos da minha cabeça, e desnecessário dizer também que qualquer semelhança com pessoas da vida real, não poderia estar mais longe de mera coincidência.

Boa viagem!

segunda-feira, abril 20, 2009

As Viúvas do Benjamim. 1 - Neta de Florentin

Eu lembro da Neta saindo para o terraço, esfregando os olhos de sono sob o sol da manhã de sexta-feira de uma primavera de Tel-Aviv. Estava vestida só de calcinha e o lençol da cama, ainda amassado e ainda com cheiro de sono.

Lembro é modo de dizer. Na verdade eu não lembro nada, porque não estava lá. Me contaram a história. Mas quando me contam da Neta minha imaginação se torna tão gráfica que é como se estivesse lá, vendo a cena. A Neta era (e espero que ainda seja) excitante, sensual, sexual, sem ser exatamente bonita, ou ter um corpo escultural. Acho que era o jeito dela se mover, de andar. E a pele, que não só era impossivelmente branca e bem tratada, mas fazia um contraste interessante com os cabelos ondulados quase azuis de tão negros. E longos. Cabelo que ela sempre usava solto, ou no máximo numa trança mal feita. Era baixinha, quase não tinha quadris ou seios. Tinha uma enorme e linda tatuagem de floral que vinha do ombro direito até quase o fim das costas. No rosto um sorriso estranho, como se a boca fosse grande demais para o rosto pequeno. E um par de olhos azuis escuros que nunca paravam quietos.

O apartamento ficava numa daquelas ruazinhas que um dia foram miseráveis, perto da Florentin, no sul de Tel-Aviv, mas que hoje valem muito. Quase todos os predinhos por ali tem 3 ou 4 andares. Mas aquele tinha 5, e o apartamento do Shai (a.k.a. Elo-Perdido) ficava no topo, numa espécie de cobertura de improviso em que a área construída era de uns trinta metros quadrados, mas o terraço (na verdade apenas a laje superior do edifício) era enorme. E por ser um tiquinho mais alto que todos os outros edifícios, tinha uma vista fantástica, e por cima de todos os outros terraços dava para ver lá no fim Yaffo e logo adiante o mar. E eu lembro do vento frio na manhã quente esticando o lençol sobre o corpo da Neta enquanto ela, ainda esfregando os olhos tentava encontrar o caminho até a cadeira onde o Shai fumava um beque enrolado na noite anterior, de costas para ela, olhando o mar.

Em Israel, uma porcentagem enorme das casas e edifícios tem um sistema de aquecimento de água solar. O "equipamento" são dois radiadores apontados em direção ao sol e uma caldeira que armazena (e às vezes esquenta por via elétrica) a água. Como a caldeira deve ficar acima dos radiadores, e como cada apartamento tem seu próprio sistema de aquecimento, e como essas caldeiras são na verdade cilindros pintados de branco, quem vê o horizonte na altura dos telhados enxerga um verdadeiro mar de baldinhos brancos sobre tudo que está construído.

Shay estava sentado numa daquelas horrorosas cadeiras de plástico, com as pernas para cima, sobre outra cadeira, crocks azuis desgastados no pé, o olhar sobre os baldinhos brancos, até o mar, segurando fundo a fumaça do baseado. O ruido era de muitos passarinhos e a cidade funcionando lá embaixo. Verdureiros gritando para os motoristas dos seus caminhões que nunca encontravam lugar decente para parar enquanto descarregavam, gente discutindo, carros velhos e buzinas. O cheiro era de mar, de flores (primavera em Israel tem o poder de lançar ao ar o cheiro de milhões de flores ao mesmo tempo), de cidade e de baseado. E da Neta, que roubava o cigarro da mão do Shay.

O Shay ganhou o apelido de Elo-Perdido do Márcio, porque ele (o Shay) era bem parecido com aquelas ilustrações de Homo Cro-Magnon fazendo pinturas rupestres dentro de uma caverna. Tinha um cabelão pixaim cobrindo uma cabeça enorme. Olhos castanhos muito próximos um do outro sob uma monocelha cabeluda. Andava sempre com uma barba mal feita, cobrindo ao que parecia mais área do rosto do que era biologicamente possível. O Márcio deu o apelido internamente, entre os brasileiros (com aquela capacidade genial que têm alguns brasileiros de inventar apelidos que pegam). Óbvio que era por ciúmes, porque estava apaixonado pela Neta, como na verdade todo o resto também estava.

Ele teve o joelho esquerdo e os nervos totalmente destruídos no Líbano, quando serviu o exército na unidade do Nachal, antes do Ehud Barak tirar as forças de Israel de lá quando foi primeiro ministro. Foi para a Índia, Goa e Bangladesh, entupiu-se de todas as substâncias químicas permitidas ou não pela lei, pela moral, pelos bons costumes, pela medicina moderna e pelo Erez, o companheiro de viagem. Passou um ano e meio tirando fotos de cenas típicas do terceiríssimo mundo, voltou, de forma impressionante limpou a cabeça, estudou biologia em Beer-Sheva, e passou a trabalhar de fotógrafo de marketing, e de noite barman. Alugava barato aquele apartamento esquisito do irmão, num complicado esquema de herança que nunca ninguém entendeu direito. Como nunca ninguém entendeu direito como diabos a Neta se meteu com um cara como aquele, e como tão rápido se meteu debaixo dos seus lençóis, e finalmente achando um "asilo político" ali depois que o Benjamim desapareceu.

E foi por causa do Benjamim (e depois por causa da tatuagem nas costas, e o que vinha imediatamente abaixo) que passei a me interessar pela Neta. Bem depois descobri que o Shay também o teria conhecido, e passei a me interessar pelo Shay também.

E eu lembro da Neta pegando o bagulho do Shay, sem nenhuma resistência deste, levando o cigarro já quase no final, com as pontinhas dos pequenos dedos aos lábios profanos dela e puxando fundo, enquanto os olhos azuis escuros ainda não conseguiam se acostumar com aquele dia tão azul. De um lado o sol já muito quente e de outro o vento vindo do mar, muito frio, faziam a sua pele se arrepiar, e eu só sei que naquele momento, com o absurdo cheiro de milhões de flores que em Israel se solta no ar em abril, era muito difícil não se apaixonar pela Neta.

sexta-feira, abril 10, 2009

Um faláfel na Rua Tuval

A Rua Tuval em Ramat Gan tem vários puteiros. Toda aquela região tem. Do lado de fora está escrito Peep Show (פיפ שואו, na forma fonética, em hebraico), mas todo mundo sabe o que rola ali dentro. São portinhas de decoração kitsch puxado às vezes para o rosa, outras para o vermelhão. Há um que ao invés de discreto, tem uma entrada que faz apologia a um templo romano, apesar da entrada diminuta que se abre para um corredor comprido.

As portinhas ficam entre algumas oficinas, micro-indústrias, edifícios dos anos 50 impossivelmente mal construídos, caindo aos pedaços com todo tipo de empresa funcionando ali dentro. Na maioria dos endereços na região você vai encontrar uma salinha onde normalmente um judeu ortodoxo vai estar polindo diamantes. Uma porcentagem enorme de todos os diamantes do mundo são polidos em alguma sala dentro daqueles predinhos horrorosos.

Caminhar pela Tuval em dia de semana é praticamente impossível. A rua já é estreita, a calçada já é completamente esburacada, mas carros e caminhões invadem todo centímetro quadrado, horas fazendo barbeiragem pela rua, horas subindo em cima da calçada em busca de um estacionamento provisório (a prefeitura de Ramat Gan é pródiga em dar multas de estacionamento. Ainda mais que a famigerada e famosa prefeitura de Tel Aviv).

Poderia ser uma das regiões mais decadentes de Israel. Mas feito ervas daninhas no meio desse campo de desolação, crescem ali arranha-céus de aço e de vidro, onde mantém escritórios várias importantes companhias nacionais e internacionais. Descendo a rua Tuval, se esgueirando por entre os carros muitissimo mal estacionados, cheirando óleo frito de transontem, se vê logo adiante enormes edifícios, que de longe parecem ter sido colocados no lugar errado. Quando visto de cima, essa região parece só uma continuação de Tel-Aviv, logo ali do outro lado da Ayalon. Os predinhos velhos e horrorosos nem parecem existir visto deste ângulo. Para falar a verdade, à altura dos olhos, só se vêem as fachadas dos pequenos restaurantes e lanchonetes, peep shows e oficinas mecânicas. O que tem acima destes parece ser ignorado automaticamente pelos olhos.

Vários desses predinhos (3, 4 andares) encontraram o mesmo destino de serem demolidos e transformados em (caríssimos) estacionamentos. Outros acabam se transformando em mais arranha-céus. Imagino que vários edifícios ali estão só esperando autorização da prefeitura para serem transformados em fábricas de dinheiro imobiliário. Rola muitíssima grana por ali. Uma das mais importantes bolsas de diamante do mundo está lá no fim da rua, seguindo depois da rotatória e depois à esquerda (a Bolsa dá o nome à região, em hebraico בורסה - Bursa).

E onde rola muita grana rola muita máfia.

Às vezes se vêem por ali Mercedes negras faiscantes, Porches Carreira 4 conversíveis e BMWs (os preferidos do pessoal do "mercado informal"). Não poucas vezes se pode ver em um quiosque pessoas perfeitamente normativas, passíveis de serem encontradas tomando café em qualquer quiosque da cidade trocando dólares e checando diamantes - e tomando café turco.

Todo esse povo - e não é pouca gente - tem que comer em algum lugar. É por isso que boa parte dos espaços térreos na rua Tuval e tantas outras da região estão tomadas por restaurantes. Alguns são caros e muito bons. Outros são prato-feito de comida caseira. Vários são do estilo tiragosto clássico israelense: houmus, kabab, shawarma e salada. Tem lá no fim da rua, na frente da rotatória um McDonald's. McDonald's Kasher. E tem na mesma rua pelo menos uns 3 faláfel.

Um Faláfel eh uma birosca diminuta que vende, como fica claro pelo nome: faláfel. Há um balcão com saladas diversas debaixo de uma vitrine. Atrás do balcão há um sujeito com cara de mafioso, camisa suja e raramente luvas descartáveis. Atrás do sujeito feio, há uma chapa quente (para fazer peito de frango que às vezes se vende nestes lugares), um suspeito Shawarma rodando num espeto e um fritador automático cheio de bolinhas de faláfel e óleo sabe-se de quando borbulhando. Parece uma rede nacional, porque todos os Faláfel que tenho visto no país inteiro são mais ou menos assim. (Talvez todos controlados pela mesma família, porque todos os vendedores que tenho visto são igualmente feios). A coreografia de montagem de um faláfel também é curiosamente a mesma e todo lugar:

O vendedor pega uma pita e um estilete. Com um movimento rápido ele corta uma pequena orelha da pita e a joga em um prato cheio de fatias iguais àquela, que será aproveitado para se preparar um tiragosto mais tarde (esses pedacinhos, fritos no óleo de transontem do faláfel e temperado com zatar). Enquanto enfia o dedo para abrir a pita como se fosse um bolso, ele pergunta: "Houmus? Pimenta?" e já vai metendo ali dentro pasta de houmus. Pega com uma pinça de cozinha uma bolinha de faláfel, joga para o alto e faz uma sesta de três pontos dentro da pita aberta na outra mão. Repete isso umas 5 vezes sem errar nenhuma. Daí pergunta "Salada? Com ou sem cebola?" e mete ali dentro tomate e pepino impossivelmente picadinhos. Às vezes mete repolho (sem perguntar), fecha tudo com mais umas 5 bolinhas de faláfel e (surpresa!) batatinhas fritas nojentamente molengas. Dentro da pita, junto com todo o resto. Espirra por cima Tehina com uma bisnaga igualzinha àquelas que tem em botequins no Brasil, mete tudo dentro de um saquinho e te dá o troço. Custa de 10 a 15 shekels, sem bebida. A fila demora uns 5 minutos, mais 12 segundos pro cara te preparar, 10 minutos para comer - fastfood em sua mais perfeita concepção.