sábado, novembro 01, 2008

Eu tenho cá em casa uma porção de pares de meias. São bem mais do que a quantidade que eu normalmente precisaria no dia a dia e espero que o leitor tenha paciência, pois ficará claro ao longo do texto a razão da prevaricação deste que ora vos escrever de ter tantos pares de meia em casa. É que se trata de um trauma. Uma mistura de um sério problema logístico com um mistério até hoje perfeitamente insoluto.

Pois bem; ao se colocar a roupa para lavar, entram, teoricamente todas as meias sujas usadas desde a lavada anterior. Isso é mais ou menos óbvio. Acontece que também mais ou menos óbvio é o fato de quando entram na máquina X meias avulsas, devem sair de lá todas as X meias; só que não é bem assim que a coisa acontece. Não faz sentido, mas faz verdade. Coloca-se na máquina, digamos. 20 meias avulsas (portanto 10 pares) e saem de lá 18, 19 meias. Uma ou duas meias avulsas saem de lá simplesmente sem par. O fato não é só estranho, mas intrigante, pois como veremos a seguir, ele se torna ainda mais complexo.

As meias sem par são guardadas em um saco de meias sem par, que, como o nome diz, tem esta prosaica função de guardar meias sem par, até que... Até que já bastante aborrecido com o tamanho do bolo de meias ali dentro tomo uma atitude: abro o saco e dali tento formar pares de meias sem par que por um acaso acabam se encontrando e formando o par de novo. E é isso que me intriga, porque isso significa que em algum momento da história das minhas lavadas de roupa, pares que se desfizeram acabam se reunindo sem qualquer motivo ou motivação aparente. Uma das meias do par se extravia, some, escafede-se e desfalca a outra, que vai pro saco. Para onde vão essas meias perdidas?! Eu não sei responder, como não sei dizer onde foram parar todos os guarda-chuvas, bonés, óculos escuros que ando perdendo pela vida afora. Acontece que, ao contrário de todos esses objetos, as meias acabam reaparecendo. Assim, do nada, num belo dia de sol. E o pior, eu nunca atino para a data ou para o evento no momento em que ele acontece: só descubro que o par se refez no momento em que abro o saco de meias órfãs e tento refazer pares.

E é por isso que acabo tendo em casa mais pares de meias do que o recomendável: na falta de meias, compro novas. Mas daí, sem aviso prévio, aparecem-me meias vindo do nada. Essa historinha me ensina uma porção de coisas bonitas sobre a vida (coisas essas que serão compiladas em um lindo livro de auto-ajuda que pesca dicas líricas do próprio dia-a-dia e que pretendo lançar assim que o gênero voltar à moda e eu possa meter a faca no editor, e assim prontamente me auto-ajudar a mim mesmo com o dito). Por exemplo: o mistério misterioso do mundo dos pares perfeitos. Pares se desfazem sem uma explicação convincente. E assim, do nada, num belo dia de sol, pode se refazer. Bonito isso, né? Aprendi também que quando falta meia, ao invés de perder tempo e dinheiro e sair comprando novas, vale à pena abrir o saco dos pares desfalcados (lindo nome para um filme francês: le sac de paires tondus, se devo acreditar no tradutor do Google) e de lá tirar um ou outro par que se refez desde a minha ultima lavada. Outra coisa interessante que eu devo investigar bem mais a fundo é que há dentro da minha máquina de lavar, uma passagem para outra dimensão. De lá pode-se chegar a um país encantado, onde guarda-chuvas perdidos bailam sorridentes e livres, sem donos, junto com tampas de canetas e meias avulsas. E que desta terra estranha, uma pequena passagem de retorno traz meias sem par diretamente para meu armário.

Aprendi também que preciso parar de beber tanto.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Da serie: Chupadas Interneticas (coisas que eu gostaria de ter tido a ideia antes)

Palavreando o Infazível

A imprensa internacional está atolada dentro de alguns cacoetes semânticos (que pelo menos a mim são) perturbadores. O primeiro deles é "Comunidade Internacional". A história de como surgiu esta expressão eu não conheço. Olhando para trás eu faço as contas e chego à conclusão de que deve ter aparecido pelas primeiras vezes no fim dos anos noventa, e tornada terrivelmente vulgar faz poucos anos. Vamos começar pelo próprio conceito de comunidade. No meu velhíssimo Aurélio, que tenho desde a 1ª série está lá (aliás, um verbete antes de comunismo, mas entrar neste mérito é implicar com gente implicante):

comunidade sf. 1. Qualidade do comum. 2. O corpo social; a sociedade. 3. Grupo de pessoas submetidas a uma mesma regra religiosa. 4. Local por elas habitado.

Não só uma abstração, como de fato, um completo antagonismo com o adjetivo Internacional. Eu sei que há gente por aí a usar o termo como uma forma de "unir as nações em um movimento comum". Coisa bonita. Até mesmo coisa honorável. Só que como a turba ignara já cansou de provar; não muda nada chamá-los de povo ou de classes desprovidas. Morrem de fome e matam de desesperança da mesma maneira se fossemos chamá-los de, digamos, Ê aí, gente boa!.

E tudo por causa dessa turma que senta atrás de um teclado, usa neologismos traduzidos de algum boboca americano e sai dizendo que é formador de opinião. Formam opinião mesmo: e a opinião que formam, principalmente, é a de que são umas bestas. Prova? Pois é: a última que eu andei lendo foi que (em palavreado de diplomata, claro) se o Irã não tratar de se retratar (o péssimo trocadilho aqui fica por minha conta) com Israel será ser banido da Comunidade Internacional. Pois Irã ameaça destruir Israel com uma bomba nuclear e ganha como resposta isto, que em linguagem de prezinho pode ser traduzido como "se você não pedir desculpa a gente não brinca mais com você". A gente fica aqui pensando o quão terrível deve ser para os iranianos serem banidos da comunidade internacional que os farão mudar de opinião.

Outra expressão que me causa engulhos (já fui hospitalizado mais de uma vez ao ouvir ou ler isso) é o verbo "Condenar". Lá vai o que o Aurélio diz do verbete:

Condenar v. t. 1. Proferir sentença condenatória contra. 2. Censurar, reprovar. 3. Julgar incapaz do fim a que se destina; rejeitar. 4. Sentenciar.

Olha só o contexto com um típico exemplo de notícia:

"Da Agência de Notícias [é que a publicação em primeiro lugar não quer se responsabilizar se a notícia for fraquinha, ou falsa, em segundo, por ser um belíssimo eufemismo para: 'nós compramos nossas notícias da Retuters, porque não estamos nem aí para noticiário internacional' – e o colchetes, evidentemente são meus]:

Butsuanda: [ou qualquer outro pais miserável onde se matam o tempo todo] Nesta última terça-feira um grupo de soldados de elite [armados pelos EUA, evidente] do governo atacou novamente um campo de refugiados matando 137 e ferindo mais de 1000. É o sétimo ataque do tipo em um mês, em que já morreram mais de 700 civis. A Comunidade Internacional condenou o ataque."

E aqui me superei. Consegui na mesma frase usar o verbo condenar e a expressão Comunidade Internacional. Pois é – novamente, em linguagem de prezinho, condenar seria mais ou menos traduzido para "feio, feio, feio!". É, sem sombra de dúvida uma atitude extremamente responsável e pertinente, dado que nos últimos seis ataques a reação à condenação foi imediata, todos os soldados e generais deixaram as armas e sentaram-se na calçada, chorando de vergonha e esperando suas mães os buscarem para casa.

Se dissessem ao invés disso "Pois é, né? Morreram mais 130..."

- Perdão... Foram 137

- Ah! Pois é... 137 pretos... Bem, morreram, né? A gente sente muito. Na verdade a gente nem sente tanto assim, mas vá la...

Pois então, se ao invés do "Condenamos o Ataque" dissessem algo assim, eu teria, quem sabe, muito mais respeito a eles.

Assim como funciona um banheiro, funciona a política internacional. Num típico banheiro, quem constrói, quem usa e quem limpa são em geral pessoas diferentes. É por isso que não há verdadeira hipocrisia no que acontece pelo mundo – as regras são claras: Há os que constroem a política internacional, há os que sujam tudo, e há os que depois tratam de limpá-la.

Hipócrita mesmo é fazer entender que um não tem nada há ver com o outro.

Avoados

Vou passar a história aqui do jeito que me contaram. E quem contou disse que a história é verdadeira. Deus me livre de duvidar das minhas fontes. Mas como eu não sou jornalista (bate na madeira três vezes e beija o cartão de crédito), eu tiro o meu da reta. Enfim, ia aquele grupo de excursão para sei lá onde. Pode bem ser Israel, como pode ser Disney. Adolescentes, enfim, não importa de onde ou para onde – sendo brasileiros são problema. Estavam todos lá nos seus devidos postos dentro do avião. Assim contando parece que foi mole, mas eu já vi como essa coisa de “devidos postos” acontece. É cadeira numerada, mas no final rola um cada-um-por-si-e-eu-com-a-Carlinha-que-é-muito-gata-e-eu-não-estava-afim-mesmo-de-dormir-neste-vôo. A Sônia não senta do lado do Renato, que está afim da Joana que queria mesmo era ficar com o Carlinhos que está afim de tentar fumar no banheiro para ver o que acontece, que fica perto de onde estava sentada a tal da Carlinha, e uma rodinha de rapazes envolta se socando para sentar pelo menos duas poltronas dela. Isso eu conto de ser fonte primária. A fonte não entrou nesses detalhes – provavelmente sentou-se longe da Carlinha e ficou sem saber da baderna que rolou lá no fundo do avião. Mas eu que conheço bem esse povo posso imaginar que ninguém dormiu muito por aquelas bandas.

E assim ia a turma, de avião, para sabe-se lá que parte do mundo. Eram adolescentes e eram brasileiros – o que já configura um potencial crime contra a humanidade (ou pelo menos atentado ao pudor). Ao longo do vôo a baderna ia solta. Nem precisavam usar qualquer camiseta ou elemento de identificação. Eram facilmente identificáveis: era só ver com quem as aeromoças gritavam.

Mas justamente sobrou uma turma mais sóbria que ficou sentada da metade para adiante do avião. Eram jovens, mas se portavam mais ou menos direitinho. Não pareciam adolescentes, ou talvez não pareciam brasileiros. Aceitaram o uísque (que tinha um tempo que o uísque rolava solto nos vôos internacionais. – Aliás, uma vez eu resolvi fazer um vôo de Israel ao Brasil pela VARIG. Era uma maneira de tomar guaraná antes de chegar em casa. O vôo da El-Al foi até Londres, e de lá o avião da dita falida companhia partiu para São Paulo. Sentei-me ao lado de um irlandês muito gente boa que ia passar três meses no Brasil. Era engenheiro de exploração de petróleo em alto-mar. O nome da engenharia mais comprido que eu já tinha visto até então. E eu que estava ansioso para pedir meu guaraná fui surpreendido pelo meu vizinho de acento pedindo um uísque. Nem pensei duas vezes, pedi também. Cheers! Mantive com louvor tanto meu inglês quanto meu fígado naquela viagem, que o cara, como bom irlandês era bom de copo, e péssimo em dicção).

De que falava eu quando fiz essa digressão pelo uísque? Ah! Sim. O uísque. Falava do grupo que sentou na frente. Pois bem, de comportados que estavam, nem levantavam suspeitas; pediram uísque, uísque veio. Pediram mais, mais veio. E comida? Pois comida veio. Mais guaraná, por favor? Muito obrigado. A senhorita (chamavam a aeromoça de senhorita – o que a fez suspeitar de que eles eram gozadores, anacrônicos ou simplesmente nerds – não eram, e ela já, já ia descobrir) poderia trazer mais um pão? Muitíssimo obrigado.

O que ninguém reparava – o que era na verdade a intenção dos garotos: que ninguém reparasse – era que eles praticamente não comiam. O que eles faziam com a comida na verdade era um preparo muito especial. Picavam bem picadinho toda massa sólida e colocavam com cuidado dentro do saco de vómito. Depois picavam o pão, empapavam no guaraná e enfiavam a maçaroca no saco também. No final despejaram um pouco de guaraná puro (sem gelo) ali dentro. Não sei se o leitor sabe, mas guaraná quando em contato com pão (ou bolo) cresce e vira uma substância nem líquida nem sólida – uma espuma amarelada de aspecto nojentíssimo, mas com gosto de guaraná.

Enfim, começa o primeiro ato: um deles faz que começa a passar mal. Os outros fazem como se lhe prestassem assistência. Passa mal, levanta, senta, vai ao banheiro, volta... chama a atenção de toda a região. Velhinhas com comprimidos na bolsa vão em socorro. Não posso, sou alérgico, responde o rapaz, se contorcendo de pretendido enjôo. Estava branco feito uma geladeira. Sabe-se lá como fazia isso. Os comparsas nem tentavam ajudar mais. Estavam ocupados demais se segurando para não rir.

Quando o fedelho já tinha certeza que todo mundo não só se compadecia dele mas também já sofria só de ouvir, começou o segundo ato. Pegou o saco de vômito, enfiou a cara dentro e fez que vomitava. Fazia-o sonoramente, histericamente, quase como se alguém estivesse arrancando suas tripas pela boca. E parou. Fez que sentia-se melhor, e finalmente quando todo mundo achava que a coisa acabou, lá ia ele, de novo, a chamar o Hugo.

Fez isso umas três ou quatro vezes. E então começou o ato final. Quando tinha certeza que quase todo mundo olhava para ele, disse em voz alta:”Ah! Bem melhor agora. Gente! Que fome!” enfiou a mão no saco, tirou lá de dentro, com a mão mesmo aquela papa preparada anteriormente e pôs-se a comer ali no meio do corredor.

E tem gente que ainda acha que a crise das empresas aéreas tem como motivo o preço do petróleo. Eu, hem?

Reclamão

Desde a infância tenho sido tachado de reclamão, ou crítico. Isso significa que desde que tomei posse de minhas faculdades mentais (as poucas que tenho) lá pelo final da adolescência (aos 28 anos de idade) tenho evitado ao máximo fazer uso do meu direito de reclamar. Uma espécie de balanceamento. E para falar bem a verdade, porque quem tem fama acaba levando culpa pelo que não fez, e basta eu dizer que a comida está sem sal que parece que a torcida do Flamengo inteira cai sobre mim a dizer que eu só sei reclamar.

E, enfim, aprendi a viver tentando aceitar (pelo menos verbalmente) as coisas como elas são. Mas às vezes a frustração vem à flor da pele (ou melhor, à flor da língua – ou nesse caso, à flor dos dedos) e tenho vontade de compartilhar com os demais a infelicidade de viver. E então neste texto resolvi desabafar e tornar público todo tipo de maldição que venho tentado (às vezes com sucesso, às vezes com menos, às vezes em vão) engolir e manter privado sobre viver aqui onde vivo.

Então aqui vai o que anda me doendo no coração (ou seja lá onde a coisa doa mais):


Cerveja:

A cerveja desta terra jamais será estudada por um cervejeiro, ou seja lá como se chama o enólogo da cevada. Será bem mais propriamente examinada por um paleontólogo especialista em urina de dinossauros. Por ter apenas 30 anos de idade (tudo isso... juro por Deus) não tive o prazer de conhecer os ancestrais dos passarinhos. Mas é sabido que faziam xixi. E imagino que, se bebível, este xixi teria gosto da cerveja que vendem por aqui.

Existem as cervejas ruins, que são as concessionadas por empresas europeias (como Crowsberg e a Tuborg). Essas, se geladas, são praticamente intomáveis. Quando quentes, podem ser usadas para fazer frango no forno – e depois jogadas fora. Em contraste com as ruins, existem as tenebrosas, que são as marcas locais: Macabi e a Goldstar. Podem ser usadas, no máximo, para limpar o ralo entupido.

Ah... Ralo entupido se limpa com Coca-cola... bem, então esqueçam.


Futebol:

Aqui vai a minha dupla frustração com o futebol. A primeira é que eu de-tes-to futebol. Não gosto. Não adianta. Já tentei. Não funciona. Acho que quando eu era criancinha uma bruxa malvada jogou uma bola de couro na minha cabeça, e desde então não consigo ver mais que 10 minutos de jogo sem perder total e completamente a paciência. Mas assim já era no Brasil. Então por que a frustração agora? Porque pelo fato de eu ser brasileiro, a associação com o esporte é imediata. No exato momento em que o cidadão descobre minha nacionalidade, já começa a soletrar de trás prá frente e de frente prá trás toda a escalação de todos os times do campeonato nacional. E eu fico boiando, sem saber nem o que dizer. Depois de revelar a verdade para o sujeito, ele em geral me vem com um:

- Ah! Para aí! Você não é brasileiro coisa nenhuma! Como assim não gosta de futebol?

Sorry. Não gosto. E, decepcionadas, as pessoas me viram a cara e nunca mais falam comigo: ou por me acharem um mentiroso patológico, ou o que é pior, por me considerarem um brasileiro herege.

A segunda frustração vem do fato de que em Israel joga-se muito mal. Final de Copa do Mundo para mim é cansativo de ver. Imagine então jogo entre times daqui. Eu acho melhor nem lembrar...


Filas:

No XXV congresso internacional de sociologia e antropologia foi decidido que o assunto Filas em Israel deve ser discutido por simiologistas. Na melhor das hipóteses a convenção foi a de que Filas em Israel deve ser visto como parte da Teoria do Caos. Antigamente, filas eram um processo utilizado por repartições burocráticas a fim de dar vez ao atendimento de várias pessoas, dando preferência àquelas que chegavam antes. O sistema de filas foi totalmente destituído de qualquer funcionabilidade no momento em que o primeiro cidadão pensou: "Por que diabos estou esperando aqui feito um idiota?". Este mesmo cidadão inventou então o termo "Furar Fila", que se baseia em enfiar-se lá no comecinho da fila, como quem não quer nada. O resto das pessoas, esperando na fila feito idiotas, imediatamente chiou e pensou também "porque ele pode e eu não?".

Pronto: acabaram-se as filas. Pelo menos acabaram-se do jeito que nós conhecemos.

De uma maneira geral Israel tem um sistema burocrático bastante complicado. Não chega aos pés do Brasil (que inclusive inventou a inacreditável profissão de despachante: um sujeito que mediante pagamento fará o tramite burocrático para você), mas é um sistema pesado. Hoje em dia, para se furar uma fila, não basta ir para o começo, como quem não quer nada, sob pena de linchamento público. Usa-se, hoje em dia, de estratagemas complicados e fúteis, que na maioria das vezes não dá muito resultado, mas tenta-se. Ei-los (como diria Ibrahim, nas palavras de Stanislaw):

"É só uma perguntinha"; A fila é quilométrica. Cada um ali tem, além da própria fila, várias coisas interessantes para fazer na vida. Inclusive, perguntar algo no guichê, como parte de seu trâmite burocrático. Mas eis então que surge, vindo de seja lá onde for um gaiato se aproximando rapidamente do comecinho da fila. Todo mundo grita: "Ei, ei! Tem fila, sabia?". Ele responde (ou nem responde): "É só uma perguntinha". Pronto. Vai e se planta meio que de diagonal assim, na entrada do guichê, esperando o atendimento do presente terminar para se enfiar ali e, efetivamente, furar fila.

"Estou depois de você"; Novamente, a fila é quilométrica (evidente. Se fosse curta, ninguém estava nem aí para estratagemas). Sujeito aparece, põe as mãos na cabeça em desespero e então aplica o golpe. Sai perguntando quem é o último da fila (este sistema funciona bem numa repartição, ou banco, em que a fila não é propriamente uma fila: é um amontoado de gente sentada esperando cada um a sua vez – sem ter exatamente uma ideia clara de quem é antes de quem: invenção israelense). Quando o identifica (tudo em voz alta) diz: "Estou depois de você", como se esperasse que alguém lhe guardasse o lugar. Depois sai para furar a fila, para fazer "só uma perguntinha".

"Já estive aqui"; Pois é. O sujeito foi, voltou, revoltou, deu voltas, carimbos, pagamentos, depois de arrumada a papelada, não vai enfrentar novamente a mesma fila, se já esteve ali. Este princípio não se discute aqui em Israel. É lei. Acontece que utilizando-se dele, qualquer gaiato vem e faz pose de infeliz e já vai dizendo que já esteve ali antes. Claro: no mês passado. Mas entra feito o estelionatário que é.


Transito:

Em uma frase: Fabricante de buzinas no oriente médio fica rico em dois dias. Quanto menos europeia a cidade, pior. Durante muito tempo rodei as ruas de bicicleta. Meu sonho era ter eu também uma buzina, para poder revidar. Fantasiava em colocar na parte de trás uma bateria de ácido 12 volts, e no meio do quadro uma gigantesca tuba elétrica de fazer trio elétrico cuspir e sair nadando. Sujeito buzina eu replico com um pequeno terremoto. Como buzinam! Pisca-pisca? Quase ninguém conhece. Freio? Só quando for para cantar pneu.

Lembro no Brasil, que por si não era grande coisa mesmo. Um trilhão de mortos por ano, e ninguém nem aí. Uma falta de respeito tártara. Agora una à total e completa falta de respeito uma incapacidade formidável para conduzir um veículo automotivo (desde patinetes motorizadas a caminhões jamanta). E claro: a perpétua buzina. Pronto, agora você tem um motorista israelense típico.

Morrem aqui de acidente de trânsito algo como 500 a 600 pessoas por ano. Nesta atual intifada morreram ao longo de 5 anos menos de mil. Isso significa que num conflito armado com vizinhos morreram 2.5 vezes menos pessoas que nas estradas. Isso mesmo – guerra aqui (até aqui) mata menos que o trânsito. E tem sido assim desde a criação do estado em 1948.

O pior, pelo menos para meus nervos, não é nem a periculosidade. É em especial problemática a situação em que um motorista, no meio de um trânsito pesado leve em consideração praticar o abuso que descrevo acima no itens "fila". Aí eu tenho vontade de sair do carro, e linchar o dito. Tenho que começar a praticar Ioga.


Longe da Civilizzia Brazillis;

Nos principais centros e emigração de brasileiros pelo mundo há, em um canto ou outro, um barzinho, ou um cantinho onde pode ser encontrado Leite Moça, azeite de dendê, polvilho azedo e doce, guaraná, sonho de valsa, e em alguns casos, até mesmo coxinha, pastel e afins.

Pois aqui não. Nada. Coisa nenhuma. Minha mãe me manda de vez em quando um pacote com as coisas que eu mais gosto, incluindo aí pó para preparo de pão de queijo. Às vezes chega até um livro em português. Mas pastel de camarão de feira... necas.

Meu mundo por um caldo de cana! Meu império por um risoles de palmito! Vendo meu corpo e minha alma ao demônio por uma coxinha. E por favor; não me venham convencer que nem é assim tão difícil fazer. Eu sei. Já fiz várias vezes. Mas o legal não está no fazer em casa, e sim em estar caminhando na rua, sentir o cheirinho e entrar sem nem reparar nos cachorros e no vazilhame de ovo cor-de-rosa no balcão.

Requeijão então?! Catupiry?! Ah! Melhor parar por aqui, que ainda não almocei hoje.