quinta-feira, março 26, 2009

Desemaranhando o novelo político de agora.

Acho que um dos grandes erros da mídia internacional hoje em dia é quanto a um personagem bastante peculiar da política israelense chamado Avigdor Lieberman. Lieberman é mau, é feio e é bobo.

Concordo só com o feio. Quanto a mau, é uma questão de parâmetro ético pessoal que não faço a menor questão de compartilhar. Quanto a bobo, bem bobo não é o Lieberman, mas quem vota nele.

Ele foi classificado não poucas vezes como anti-árabe, fascista, nazista, xenófobo e até de anti-cristo (além dos já citados bobo, feio e mau). A verdade é que pode até ser que ele seja, mas isso é irrelevante. Avigdor Lieberman é um político. E dos bons. Ele conhece o jogo e sabe jogar muito bem.

O que certamente pode ser dito dele é que ele vende uma imagem de extremista. Em se falando de política interna em Israel, faz bem ele. Tanto porque a tática funcionou.

Mas vamos deixar bem claro que mesmo que ele venda essa imagem, ele simplesmente NUNCA fez absolutamente nada do que prometeu JAMAIS. Nem a respeito de assuntos domésticos como a respeito da comunidade árabe em Israel (que fique muito claro aqui que Lieberman não tem uma política declarada a respeito dos árabes de fora de Israel).

Pode até dar medo (e eu pessoalmente tenho medo dele, porque ele é realmente muito feio, e tem aparecido demais na televisão), mas é mais latido que mordida, mesmo que a mídia esteja doida de vontade de vender que ele é um monstro.

Acontece que é fácil esquecer que Israel pode ser (quando visto de perto, e por um longo período de tempo) um país maluco, mas de maneira geral, é bastante normal. Políticos aqui também tem ego, e também tem ambições pessoais.

Toda aquelas teorias conspiratórias tão bacanas que rolam por aí são na grande maioria das vezes uma versão cinematográfica da patética política interna israelense,que por si só, sem as lantejoulas colocadas pela imprensa internacional é bastante enfadonha.

O partido Kadima ganhou a maioria dos votos nas últimas eleições, mas não pôde formar coalisão. É a segunda vez que isso acontece na história deste país, e a primeira que acontece não porque o povo esta dividido, mas porque o povo esta todo enrolado. Porque o sistema político esta paralítico já faz mais de dez anos e porque faz muito tempo que pessoas de competência não conseguem posicionamento forte dentro dos partidos.

Dois excelentes exemplos estão aí mesmo, de mãos dadas: Biniamin Nataniahu e Ehud Barak.

No final de suas respectivas cadências como primeiro-ministros, se alguém dissesse que eles ainda voltariam à política, ninguém ia nem rir. Iam bater na madeira três vezes de tanto medo.

Nataniahu foi o responsável por uma das políticas econômicas mais rígidas que este país já conheceu, durante a crise de 2000/2001, por exemplo. Lembro de uma piadinha que eu ouvi no rádio na época, dizendo assim: "Oras, você sabe. Quem vota no Bibi e no Likud é gente pobre [meia-verdade engraçadinha que faz parte do folclore nacional - parênteses meu], e como quem vota nele é gente pobre, ele está gerando mais pobres para eleitorado!".

Barak saiu do cargo mais por baixo que barriga de cobra numa trilha de bicicleta no fundo do mar morto. E até pelo que fez certo, tirar o exército do sul do líbano, foi criticado por ter feito da maneira errada. Internamente se envolveu de maneira muito feia com seu próprio partido e até se separou da esposa, que todo mundo achava muito melhor que ele. Demos graças a Deus que ele se foi.

E por que voltaram? Como? De onde surgiram? Onde estiveram até agora? Às vezes fico imaginando se não é a mais nova estratégia iraniana para destruir Israel por dentro mesmo: um super raio que apaga a memória das pessoas e as fazem regredir cognitivamente.

Como não sou muito amigo das teorias conspiratórias, tive que encontrar uma resposta mais terrena. E na verdade a resposta que eu encontrei foi bem simples: o povo daqui não tem nada de especial em relação ao povo em qualquer parte do mundo. É desmemoriado, é imediatista e acredita imediatamente em qualquer um que lhe diga o que quer ouvir.

Há de se completar aqui o importante fato de que em Israel não há votação direta pois o sistema é parlamentarista. Ou seja: você pode votar no Trabalhista, no Likud ou outro partido na hora das eleições, mas a lista dos candidatos e sua ordem já está pré estabelecida por votação interna dentro do próprio partido. Ou seja: o Nataniahu conseguiu o primeiro lugar na lista do Likud porque o pessoal dentro do próprio partido o elegeu. Isso evidentemente significa uma quantidade monumental de conchavos, politicagem, fisiologismos e muita, muita sujeira. Os que são mais fortes nestes quesitos acabam se situando em lugar mais forte na lista.

Existem exceções, evidentemente. Um exemplo nobre foi o caso do Kadima, em que Shaul Mofaz (ex chefe do estado-maior e atual incompetente ministro dos engarraf... transportes) que foi pego não poucas vezes, por assim dizer, com a mão na massa, não conseguiu a colocação que queria, e a Livni, que é sabida por ser dura na queda, acabou fechando o primeiro lugar na lista.

Essa foi uma pequena disgreção sobre o que eu chamo de "política maior". Existe portanto o que vou classificar como a "politica menor". Esta é a mais nefasta, e em geral passa em branco nas mídias internacionais. E na verdade é a mais importante.

Abre esta turba o famigerado Shas. Partido religioso oriental. É um partido assistencialista que como partido assistencialista funciona baseado no seguinte discurso: "vote na gente, e nós vamos dar todo tipo de assistência social e econômica que vocês quiserem". Uma espécie de bolsa-família dentre outros. Funciona. Às vezes mais, às vezes menos. É uma pedra no sapato de qualquer governo disposto a fazer qualquer tipo de reforma: econômica, social, política, religiosa, educacional ou qualquer outra. Em termos de política internacional, é mainstream da extrema direita silenciosa. Não vai se mexer em direção a uma política provocativa, mas também não vai deixar as coisas fluírem para a esquerda. É tudo menos consenso israelense, especialmente por tentar vez após vez teocratizar o sistema educacional e por aprovar a dispensa de religiosos do exército.

Existem partidos religiososo distintos. Uns mais ortodoxos, outros menos, só que mais virulentos em termos nacionalistas, outros extremamente xenófobos (dica: não é o do Lieberman). Este grupo é conhecido como o bloco da extrema direita. Ele evidentemente não é homogêneo e cada qual tem lá suas prioridades. Internamente são de uma paulera só. Ninguém concorda com ninguém. Não há a guerra de egos como nos outros partidos, a ideologia, religiosidade e nacionalismo ali são mais elementos mais importantes. Isso é extremamente sério quando se fala em coalisões. Este é o principal motivo pelo qual o Kadima não conseguiu formar uma colalisão decente. E este é o motivo pelo qual o Likud agora está numa fria e se comprometeu com coisas que provavelmente não vai poder cumprir. E este é o motivo pelo qual eu acho que este governo agora não vai durar muito: votar junto com esses partidos, e tratar de deixá-los todos satisfeitos é tarefa praticamente impossível.

E aqui fecho esse bloco com o partido com o qual comecei: Israel Beteinu, do Lieberman. Para quem não sabe, é um partido com enorme popularidade entre imigrantes russos. Isso gera uma agenda de economia neo-liberal, discursos virulentos e anti árabes e um posicionamento religioso extremamente secular. Secular significa ir de frente com uma série de promessas que Nataniahu fez para o bloco religioso, e vice versa.

É importante notar que a política interna e a politicagem tem um peso muitíssimo maior do que qualquer jogo de conflitos internacionais. Políticos com projetos pessoais e partidos com planos teocráticos têm uma colocação extremamente forte nos dias de hoje.

Enquanto a geopolítica da região segue a mesma, enquanto o sistema político aqui seguir o mesmo (Lieberman apóia com força um projeto de mudança do sistema político - coisa que não foi levado adiante nem pelo Likud, nem por nenhum dos partidos do bloco religioso ou da direita, só pela esquerda), enquanto não houver uma mudança séria no público votante por aqui, a situação simplesmente vai continuar (catastroficamente) a mesma.

PS: Evidentemente existem os partidos de esquerda (fora o Trabalhista, que já não considero partido, nem esquerda), e os partidos árabes. Isso vai ficar para outro post, um dia, quem sabe.

sábado, março 21, 2009

O Kitsch, o Escorpião e o Ars

Durante o treinamento básico do exercito (yes, I've been there) o comandante do pelotão sugeriu que fosse feita uma bandeira com o símbolo da tropa para a próxima semana de exercícios. Eu até usei um pouco de criatividade durante as horas de vigia sobre uma torre rabiscando meu caderninho, tentando chegar em alguma coisa legal. Especialmente alguma coisa que saísse do estigma dessas bandeiras e camisetas que se viam por aí.

Na minha linguagem, sair do estigma significava basicamente ser absurdamente irônico, esperto, estético, claro, limpo, humorístico e inteligente.

Todos - repito: todos - os meus desenhos foram recebidos pelos oficiais com olhares apopléticos de falta completa de entendimento, suspiros de falta de paciência e virada de olhinhos de indignação. Havia algo de terrivelmente errado comigo, ou com o exército, e hoje não me é difícil entender qual deles.

Fomos mandados no final de semana para casa. Eu tinha acabado de comprar uma série de penas nankin e estava doido para brincar com elas. Simplesmente pensei: então é assim, é? Pois vou entrar na onda desses caras.

Comecei a rabiscar um escorpião gigante, numa perspectiva vista de frente e de baixo, com o enorme ferrão saindo lá de trás e de cima, vindo atacar o observador. Desenho ultra detalhado, as canetas de ponta extremamente finas ajudando bastante. Não tinha nada de útil para fazer mesmo, final de semana perdido, em Beer-Sheva, a coisa era até divertida.

Ars é uma palavra importante em Israel. Ars quer dizer tudo. Explica quase tudo. Desde decisões políticas importantes até o zeitgeist desde país. Ars é um sujeito que ouve música oriental (ou orientalizada) com batidas eletrônicas no máximo volume dentro do seu Subaru modificado e com neon no parachoque e tem certeza que esta abafando. Ars é uma filosofia estética: confunde o que é considerado luxo com o que tem qualidade. Vai se vestir com tudo que há de caro, sem se importar com o fato de que nada combina. Tem uma televisão plasma 900 polegadas no lavabo só porque leu que é chique. O Ars vai tratar seus colegas como reis em sua casa. Mais por questões de honra do que consideração real. Honra... palavra importante para um Ars. Um Ars vai sempre acreditar que força bruta, ou ameaça de força bruta é questão de honra para se resolver um problema. Existem os Ars "light", que eventualmente concordariam em conversar. Mas nunca na frente de outros Arsim.

E, bem, fazer o que? A mentalidade Ars é muito mais comum aqui neste país do que seria considerado saudável. Não é necessário ir muito longe nem passar aqui muito tempo para verificar. Basta abrir o rádio numa estação popular, ver televisão em horário nobre, andar por Haifa, Jerusalém ou Beer-Sheva numa quinta-feira de noite. O grande problema é que o Ars típico se orgulha de ser Ars.

Enfim, divaguei sobre este importante conceito porque é sabido aqui que a maioria do exército, fazer o que? é Ars. E se ninguém achou nenhum interesse nos meus rabiscos, esta seria uma explicação nada ruim. E foi por isso que eu resolvi ser um pouco Ars também e descambar para o Kitsch, fazendo o tal do escorpião.

Se gostaram? Pegaram meu desenho e ficaram olhando um para o outro, depois perguntaram: "Mas foi você que fez isso? Tem certeza?", para receber confirmação e voltar a olhar para o desenho, para perguntar de novo. A coisa repetiu-se umas sete vezes seguidas. Algumas em público, outras ainda com oficiais de patente mais alta. Aí não só me autorizaram a passar o desenho para uma bandeira enorme, como me dispensaram de mais um tedioso exercício para fazê-lo, debaixo de uma sombra, sob os olhos admiradores dos oficiais que passavam e me viam trabalhando.

Perdi o original e a bandeira nessas mudanças que fiz pela vida, e me recuso a refazer o desenho agora. Conto o caso para tentar achar minha própria explicação a este novo caso apresentado pelo jornal Ha'Aretz. Polemizadores se recusarão a aceitar, mas sinto muito, é um problema mais de ordem da estética Ars que politico.