sexta-feira, maio 29, 2009

A discussão é feia, mas não é séria.

Vi uma linda discussão no canal 10 entre Yaaron London e o parlamentar Zvulun Orlev a respeito da tal da lei contra a comemoração do Nakba.

A lei, planejada pelo Yisrael Bethenu, partido do Ivet Lieberman (Ivet é o nome de nascença dele - ele odeia ser chamado assim, e é por isso que uso esse nome :P), diz basicamente que é proibida a manifestação (pública ou privada) com conotações negativas a respeito da criação do Estado de Israel. A lógica é a seguinte: quem vive em um determinado país não deveria ser contra a criação do mesmo. Isso não acontece em parte alguma do mundo.

A discussão que citei foi a seguinte. Yaaron London dizia: "Espere aí, o que vocês querem na verdade é proibir a expressão pessoal. Isso é censura! É uma lei contra as liberdades individuais"

Zvulun Orlev seguia com um mantra de "Queremos caracterizar este país como sendo judaico. No momento em que alguém apresenta-se como sendo contra essa caracterização, está indo contra o próprio fundamento desse país!"

Yaron London começou a ficar cada vez mais nervoso e exigir respostas fora desse mantra: "Mas o senhor quer protocolar em lei a proibição de manifestação! Cada qual com sua opinião! Promulgar uma lei não vai mudar a opinião das pessoas! Daqui a pouco vocês vão querer proibir livros de escritores palestinos e até mesmo judeus questionando o assunto! Não tem limites!"

"Você é contra a caracterização judaica de Israel?" Perguntou o parlamentar Orlev.

"Claro que sou! Mas não por lei! Isso deveria ser um trabalho educacional e democrático, não ditatorial e arbitrário!" Vale lembrar que Yaaron London é considerado bastante direitista e conservador nos meios de comunicação.

Ao seguir a conversa, Zvulun Orlev quis convencer o Yaaron London de que, na verdade, o que se estava fazendo era criando-se uma lei que evitasse que pessoas desenvolvessem um sistema que pudesse cogitar a legitimidade da mera existência de Israel como país.

Seus argumentos foram tão pueris que só deixou o Yaaron London mais e mais nervoso. Até um momento em que acabou o tempo e ele chutou o cara do estúdio com um "muito obrigado ao parlamentar Orlev".

A discussão a este nível entre a população é visível. Nem sequer meus amigos mais religiosos conseguem se manter incólumes frente à peitação dos neo-colonos sobre a lei, sobre o exército, sobre a politica internacional e sobre a vontade da maioria, quando seguem a reerguer outposts nos territórios ocupados.

Pessoalmente acho bom esse tipo de atrito: tira um pouco do verniz de politicamente correto que populações deste tipo carregam em suas justificativas e abre o jogo: "Nós estamos aqui para salvar o caráter judaico de Israel, mesmo que seja contra a lei do país, mesmo que seja contra a ética e a moral dos nossos tempos, mesmo que seja contra a vontade da maioria dos habitantes deste lugar, mesmo que seja a sangue".

O que me impressiona é a passividade dos que não pensam assim (gente pacata e "bundona", como eu), que não toma nenhuma atitude prática. A Tzipi Livni até que tentou dar umas cutucadas e entrevistas, mas não teve a repercussão que merecia neste caso.

Como outras, essa é uma história de vai-e-volta. Não é a primeira nem vai ser a última vez em que leis deste calibre são inseridas na agenda da Knesset. Esse tipo de atitude é desenvolvida para promover um político, um partido e/ou, como neste caso, promover um tipo específico de política.

Em tempos de Obama, a direita religiosa ultra-nacionalista em Israel se encontra em sérios apuros para justificar uma série de atitudes que não podem ser justificadas em uma sociedade ocidental moderna. E cada ponto que conseguirem comprar barato, está valendo. Pelo menos é assim que pensam eles. Não é uma questão de democracia. Não é uma questão de legislação. Neste caso, para boa parte deste pessoal, é uma questão de puro medo e histeria religiosa.

segunda-feira, maio 25, 2009

Os mistérios dos intestinos de ovelha.

- Você tem intestino de ovelha? - Eu perguntei lá por de cima de um freezer para o velhinho marroquino sentado em seu açougue especializado em carne ovina, no Shuk Ha'Carmel.

Ele fez cara de quem não entendeu bem, se curvou para frente na sua cadeira lá no fundo do açougue e eu repeti a pergunta. Era um sujeito nem assim tão velho na verdade, com cabelo de escovinha meio grisalho, pele escura e um "bigodinho de cobrador" branco.

- Mas prá que você quer intestino de ovelha?!

Vai explicar agora! Vou dizer que sou estudante de desenho industrial, que estou fazendo um projeto, que parte importante da matéria prima que eu decidi usar para dar o toque orgânico que eu quero é intestino. E que intestino de vaca tem o calibre grande demais para o que eu quero.

É bem provável que se eu dissesse alguma coisa assim ele ia me mandar procurar minha turma, parar de inventar moda e ir estudar alguma coisa mais útil. Já tive experiências deste tipo quando fui comprar, por exemplo, cordões de sapato. Daí que eu respondi:

- Vou fazer lingüiça (com trema, por favor!).

- Ahn! Alguma coisa que você leu na internet? - ele ainda me provocou, com sotaque que só os velhos marroquinos em Israel têm.

- Não! Receita de família. Coisa que minha avó costumava fazer. Tem que ser de calibre menor que intestinos de boi, para ficar bom.

Mentira, claro. Minha vó nunca foi de encher lingüiça. Nem em termos, nem literalmente.

Infelizmente a mentira o interessou. E eu, diabos, que só queria 250 gramas de intestino de ovelha limpos. Só isso. Suando para passar despercebido pela sabatina do velhinho que parecia se divertir com a situação.

- E você sabe limpar intestino?

Sai dessa agora, seu Gabriel. Duas semanas brincando com intestinos de vaca que eu adquirira antes (na mesma feira livre, mas no Açougue do Chaim, mais para cima) me ensinaram muito. O que eu sei de cozinha artesanal é pouco, se não nada. E o que eu cheguei a ver no Youtube a respeito não me tornam um expert no assunto. Mas respirei fundo e tentei minha sorte:

- Mas é claro! Ajudei muito minha avó a fazer isso! Têm que virar as tripas do avesso, colocar em água por 24 horas, e depois raspar.

- É isso aí. - ele sorriu aprovando. - Virar do avesso. É uma pena, mas eu não tenho. Quem sabe no Shuk do Shchunat Ha'Tikwa (Bairro da Esperança... parece nome de favela, e não está muito longe de ser uma - e longe prá diabos). Aqui nas redondezas você não vai achar.

Depois de uma calorosa despedida (afinal, eu tinha sido aprovado com louvor ao questionário do velhinho) me debandei dali para tentar minha sorte com intestino de porco.

terça-feira, maio 19, 2009

Perguntas e respostas e uma ode à futilidade

Uma das minhas capacidades mais inúteis e impressionantes é a de escrever sobre absolutamente coisa nenhuma com a mesma pretensão de um apóstolo registrando uma revelação profunda. Bagganah Namarikkah, que nos meus tempos de guri me revelou muita coisa importante sobre a a questão de ser profundamente inútil, apresentou-me ao tenebroso paradoxo de que o tema, em si, não tem qualquer importância. O que importa é sair escrevendo. E escrever bem.

Então, vamos lá, QA:

Q: O que é uma Pita?
A: É o famoso pão sírio. Um pão em forma de bolso. O legal é que dá para colocar absolutamente qualquer coisa ali dentro, desde faláfel, até Nutella. Tinha um amigo que punha cheetos.

Q: Qual é a vantagem de uma Pita sobre outros tipos de pães?
A: Dá para encher bastante que só vai começar a escorrer pelos dedos depois da pita estar bem úmida e esfarelada pelo manuseio.

Q: Então? Dá para comer Hamburger dentro de uma Pita?
A: Putz! Que boa ideia! Nunca tinha pensado nisso! Vou tentar.

Q: E tem desvantagens?
A: Engorda pacas, e se não for fresca (e em geral os israelenses clássicos colocam sacos e sacos de pita no freezer) tem gosto de... como dizer? Meia marrom?

Q: Qual é gosto de meia marrom?
A: É o gosto que tem uma Pita guardada no freezer.

Q: Por que você se refere à pita como pita, e não como pão sírio?
A: Porque esse é o nome da paradinha. Além do mais, com essa nova regra de hifenização, já não tenho idéia de como se escreve pão sírio (se é pão-sírio, pãossírio ou sei lá). Fico com o nome hebraico.

Q: O que é típico de se comer com pita?
A: Humus, embora eu tenha certeza de que Nutella anda mais alto no ibope nos últimos anos.

Q: O que é humus?
A: Grão de Bico. É uma leguminosa da família das Fabaceas, parecido com uma ervilha grande e bege. É cozido e servido amassado em forma de uma pasta, com Tehina, óleo de oliva e Zattar.

Q: O que é tehina?
A: Pasta de gerjelim. Agora você vai perguntar o que é Zattar, né?

Q: Ehn.... O que é Zattar?
A: Uma mistura de um monte de ervinha, oregano, menta e coisas que eu prefiro não saber que estão lá.

Q: É perigoso morar em Israel?
A: Pode ser sim. Existem várias situações em que estar em Israel pode ser uma coisa terrivelmente perigosa.

Q: Por exemplo?
A: Falar mal de pita para um israelense. Pode vir a ser perigoso. Ou neste caso, falar mal de humus. Humus é na verdade a religião oficial de Israel, ao contrário do que se prega por aí.

Q: Eu quis dizer... perigo de vida!
A: Eu também!

Q: O que mais pode ser perigoso?
A: Andar na rua. De carro, ou pior, à pé. O povo aqui dirige muito, muito mal.

Q: E aquelas coisas violentas que se vê nos jornais por aí? Não é perigoso?
A: É sim. É um perigo ficar vendo esses jornais! Se informe única e exclusivamente por meios de comunicações autorizados pelo ministério da saúde.

Q: O que é hamsin?
A: Hamsin é um evento atmosférico dos mais desagradáveis. É como uma sauna seca (seca mesmo- sauna mesmo), com a mesma temperatura, mesma quantidade de vento, só que com uma luminosidade do sol que até mesmo óculos de soldar não são suficiente para conseguir olhar para frente. E toneladas e toneladas de pó no ar. Visibilidade não passa de algumas centenas de metros - às vezes não passa de um metro.

Q: Acontece sempre?
A: Não. Só quando o ar-condicionado estraga, ou quando a praia está interditada ou quando se tem que trabalhar ao ar livre.

Q: O que é Sharav?
A: Mesma coisa que Hamsin, mas em hebraico.

Q: Você vê sempre camelos andando pela rua?
A: Não. Mas já vi alguns andando em manadas perto do meu apartamento em Beer-Sheva, nos limites da cidade. E já ví (lá em Beer-Sheva, evidente - só em Beer-Sheva acontecem essas coisas) beduínos andando de mula no centro da cidade, literalmente empacando o trânsito.

Q: O que você acha da política em Israel?
A: Complicada. Muito mais do que parece ser quando vista de fora. Mas é mais fácil para jornalistas pagarem suas contas dando notícia óbvia e ululante, já que uma análise completa dependeria de ler jornais em hebraico e entrevistar gente de 2o e 3o escalões. E daí teriam que trabalhar... E seria exigir demais.

Q: Você tem alguma coisa contra jornalistas?
A: Que jornalistas? Os que pensam e os que fazem seu trabalho? Não. Nenhum dos doze deles.

Q: Você já esteve em algum lugar sagrado?
A: Quase todos - me falta ainda o centro atômico em Dimona.

Q: Sentiu alguma coisa?
A: Sim. Senti que as placas tectônicas vão mover tudo aquilo um dia - assim que "lugar" sagrado é uma definição absurdamente mesquinha e relevante apenas pelo fato das vidas humanas serem tão curtas.

Q: Quem foi Bagganah Namarikkah?
A: Um dos alter-egos do Otacílio De'Assunção Barros (Em verdade, em verdade vos digo), editor do Mad. Adorava ele!

terça-feira, maio 12, 2009

As Viúvas do Benjamim. 2 - Neta de Florentin

(continuação do texto anterior: As Viúvas do Benjamim 1 - Neta de Florentin)

A Neta trabalhava de garçonete num café da rua Vital, bem pertinho do apartamento do Shay. Rua Vital é um lugar divertido. Parece um beco decadente, mas só porque é mal iluminado e está numa região que durante anos foi meio que negligenciada. De dia é só mais um ponto de comércio industrial. De noite abrem-se dezenas de bares, pubs, cafes e afins. A rua fica entupida de gente e os moradores dificilmente reclamam do barulho: são os próprios gaiandeiros que moram por ali em apartamentos que foram reformados pela última vez nos anos 30 do século passado, e os donos não têm qualquer interesse em reformá-los tão cedo. Tem uma aparência empoeirada, com poucas árvores e muitas fachadas sem qualquer conexão estética entre elas - cada uma de uma época, cada uma de uma cor (geralmente um bege fosco, triste e sujo). De noite uma parca iluminação por lâmpadas meio alaranjadas de vapor de sódio que tornariam tudo muito triste e decadente se não fossem os neons dos diversos pubs e bares, todos lotados.


Era um dia quente e úmido e a gente sentou numa das mesinhas do lado de fora. Ela toda de preto, cabelo preso e ainda com a pochete de trocados na cintura. Tocava Berry Sacharov em alto volume, o disco inteiro, e com o jeito impaciente dela, começou a me contar.

- Contei tudo pra ele. - A Neta disse pro Shay depois que conseguiu se recuperar da última baforada, lá na laje, olhando o horizonte onde Yaffo se encontra com o mar mediterrâneo, vestida só de calcinha e lençol, numa deliciosa sexta-feira de primavera.

- Tudo o que?

- Do Benjamim. Resolvi contar tudo. Foda-se. O Benjamim era um maluco e eu era outra maluca pendurada na calça dele.

- Tá, mas tudo o que? O que há prá se contar desta história? O que ele quer saber que já não sabe? O Benjamim veio, esteve e se foi. Pronto. O que ele acha que vai fazer? Escrever um livro? Publicar a história num Blog? Me dá esse cigarro. Senta aí, vou fazer um café.

E o Shay se levantou. Foi até a cozinha enquanto terminava aquele toco que tinha entre os lábios e deixou a Neta ali naquela cadeira que antes estava apoiando os pés.

Cozinha era modo de dizer - era na verdade um pequeno corredor de passagem entre o quarto/sala ali dentro e a laje do lado de fora. Tinha literalmente três metros quadrados. Meio metro quadrado para um armário onde por cima estava um fogareiro de duas bocas, outro meio metro para outro armário onde ele colocava o resto das tralhas que precisava para cozinhar (embora comesse fora quase sempre). A geladeira ficava na sala. Fez muito barulho tirando de dentro do armário debaixo do fogareiro um finjan (uma espécie de chaleira que na verdade não é muito diferente de uma lata com um cabo. Apenas um pouco mais arredondado e com um bico para entornar).

Meteu ali dentro água da torneira e duas colheronas de café em pó. Pôs para cozinhar até a fervura subir e depois jogou o conteúdo (sem filtrar) em duas canecas velhas e amarronzadas por decêncios de cafés mal lavados. Com cuidado espalhou açúcar por cima, para ajudar o pó de café a descer ao fundo.

(O Shay havia me explicado há muito tempo: "você não gosta de café turco porque nunca te prepararam direito. Se você põem açúcar antes do café, por exemplo, o pó nunca mais desce e fica tudo com gosto estranho. Se não deixar ferver pelo menos uma vez, também. Têm os que põem para ferver duas vezes... Eu prefiro assim. Toma, o que tu diz?" - E eu que achava que o cafezinho brasileiro era cheio de superstições).

Ele levou uma das canecas para a Neta e uma para si. Deixou-a sobre a muretinha de proteção para acender um cigarro.

- Diga. Qualé a desse cara e o Benjamim?

- Ele apareceu ontem no fim da tarde, no fim do meu turno no trabalho e a gente sentou para beber alguma coisa. Ele quer saber quem diabos foi o Benjamim, e qual é a história dele.

- Ele já leu a famosa edição do jornal?

- Acho que não leu. Mas sabe que a edição existe. Na verdade ele nem está procurando o que foi feito do Benjamim. Nessa estamos nós dois iguais: que se exploda. Acho que ele quer reler, ou republicar o que o Benjamim escreveu.

- E?

- E eu só pude contar minha história com o Benjamim. O texto eu não me lembro. E provavelmente se lembrasse não ia estar nem aí para contar para ele.

- E você contou a tua história?

Ela fez que sim com a cabeça. Tinha me contado tudo que ela sabia.

Benjamim Soares Pereira, nativo de Três Ranchos, Goiás, nascido em 1967 saiu do Brasil em 1992 e, se chegou a voltar, ninguém sabe, ninguém viu. Sei que foi dali para a Inglaterra, e de lá deu voltas e mais voltas por toda a Europa. Até aí estatística, mesmo porque é conhecimento de domínio público. O que pouca gente sabe é do que vivia. Há os que dizem que vivia de tráfico de drogas, ou de diamantes, ou alguma coisa ilegal. Mas não. Benjamim vivia de favores. Ele conhecia gente em tudo quanto é lugar, sendo absurdamente carismático. Fazia conexão entre pessoas que precisavam de alguém, digamos, em Liverpool, Nice, Piza, Denver ou fosse onde fosse - com objetivos legais, e mais comumente - ilegais. E assim foi vivendo sua vidinha de intinerante conectando entre pessoas. Tinha namoradas onde estivesse, tinha sempre algum dinheirinho dessas trocas de favores (embora nunca tivesse se tornado rico, nem sequer estabilizado), sempre tinha onde dormir (bem) e onde comer (melhor ainda). E foi assim que foi vivendo, até chegar em Israel, em 1996. Até 2000, quando Ofer Nimrodi, um dos principais donos do jornal Maariv foi acusado de um bocado de coisas - e daí Benjamim sumiu.

Não se tem muita certeza se o que o abateu quando chegou a Israel foi a síndrome de Jerusalém. O que se sabe é que mudou completamente. Deixou o cabelo e a barba crescerem e mudou de nome para Benjamim Avgadahu. Morou em Eilat, em Jerusalém, em Haifa, num kibutz no norte, e em Tel-Aviv, seu último conhecido destino, onde aprontou sua mais louca e inexplicável jogada - e sumiu. Em cada lugar viveu com uma - ou várias - mulheres. Não são provavelmente a mais confiáveis fontes de informação que poderia conseguir. Mas pelo jeito são as mais completas, e na verdade o meu último recurso. Para cada uma delas, sem exceção, Benjamim já estava morto e enterrado. E por isso as chamo de viúvas do Benjamim. E paradoxalmente são elas que vou usar para ressuscitá-lo.

Marcha Improvável

Mais um snapshot estranho de um país surrealista (que mostra mais uma vez que quem diz que entende Israel ou é um mentiroso compulsivo ou tem algum tipo de alucinação muito grave). Vindo de Bnei Barak (gueto ultra-ortodoxo) e caminhando pelas calçadas de Ramat Gan (cidade quase normal) uma turba de umas muitas dezenas de crianças acompanhadas por outras poucas dezenas de adultos cantavam, gritavam, carregavam cartazes e panfletos.

Não faltam manifestações públicas em Israel, mas essa me chamou a atenção. Todos usavam um chapeuzinho de papel à lá Verguenza Alheia e vestiam um colete feito de saco de lixo com uns dizeres (não menos Verguenza Alheia), além das roupas ortodoxas típicas.

"Mas são contra ou a favor exatamente de que?" eu perguntava a mim mesmo, em voz alta, em português, no caixa do supermercado. Nos cartazes, a foto do Rav de Lubavitch os dizeres "viva o Messias!"

Uma senhora, que na verdade nem era assim tão senhora (não devia ter mais de 30, mas assim me parecem quando andam de roupas e saia larguíssimas, lenço na cabeça e absolutamente nada combinando com coisa nenhuma), segurava um megafone e gritava, acompanhada pelas crianças:

- Estamos em guerra!
A petizada repetia.
- Contra que estamos em guerra?
E a petizada repetia a pergunta - tudo no ritmo acelerado da marcha improvável.
- Contra as coisas más!

E assim iam, sem especificar o que eles consideravam ser uma coisa má. Aí entendi os dizeres nas "camisetas" feitas de sacos de lixo, dizendo que quanto menos coisas más houverem no mundo, mais cedo virá o Messias - novamente sem explicar o que seriam as coisas más, e o que significa "vinda do Messias", enquanto seguravam fotos do tal Rav de Lubavitch, já falecido, que eles consideram ter sido ele mesmo o Messias (segundo estava escrito sob a foto).

E algo me diz que uma pessoa como eu que faz questionamentos deste tipo seria considerado uma coisa má. Motivo pelo qual não fiquei para entender o que diabos eles pretendiam fazer com as coisas más, juntei minhas compras e fui pra casa.

domingo, maio 03, 2009

Humor Independente



De primeira vista, o folheto é tão feio, mas tão feio, que você só pode ter absoluta certeza que foi feito pelo exército. Parece feito de brincadeira, mas depois de ler, percebe-se que a coisa é tão ruim, e o efeito tão engraçado, que só pode mesmo ser humor involuntário do Comando da Retaguarda.

Trata-se de um folhetinho que anda sendo distribuído pelo exército para a população civil, explicando o que deve ser feito em "caso de emergência" (que aqui vai entre aspas, que na minha concepção, ter o Nataniahu como primeiro ministro já consta como sendo um caso de emergência - mas não foi isso que eles quiseram dizer, provavelmente).

A parte da frente é esse mapa daí. As cores foram tão mal escolhidas que só pode ter sido de propósito. Nenhum amador seria tão, mas tão perfeito em encontrar uma combinação pior.

E lá vai o texto do título "Estar Preparado Bem A Tempo!" (Aqui, reparem no mergulhadorzinho feliz e sorridente da parte de cima! É que cada cidade ou região foi caricaturada com um pequeno ícone ilustrado como se fosse um folheto de turismo. Como provavelmente faltaram elementos gráficos - e a verba é curta - reaproveitaram os iconezinhos ao longo do panfleto. Então, para alegrar a moçada, fizeram um copy/paste do iconezinho de Eilat ali na parte de cima).

Em baixo, o mapa, mostrando quanto tempo tem cada habitante de cada região para se virar no momento em que ouve uma sirene. Tá lá o quadro: 3 minutos (no Neguev), 2 minutos (aqui no centro e Jerusalém), 1 minuto e.... ZERO MINUTOS para o pessoal na zona vermelha! Ou seja, em outras palavras, o panfleto recomenda: comece a rezar!

Na região ao redor de Gaza, eles colocam o tempo em segundos. Fico muito feliz de ver um golfinho pulando dentro do território da Jordânia e um mergulhador pulando na água em Eilat no momento de uma sirene. E o que dizer do esquiador lá no Golan? Ele tem exatos ZERO SEGUNDOS para se proteger em caso de um ataque... Eu simplesmente faria como ele e seguiria sorrindo morro abaixo. Especialmente porque o inverno aqui foi fraquinho e a neve já acabou. (Aquilo no centro não é um teclado de computador pintado de marrom. É eventualmente - nós aqui supomos - o muro das lamentações. Em Tel-Aviv o ilustrador colocou os edifícios Azrieli).

O outro lado fica melhor ainda, pois ali se encontram as instruções de como agir quando se ouve uma sirene. Traduzo com inserções em itálico de minha pena. Começa com uma introdução extremamente tranquilizadora (e, como já se viu nos jornais, mais ou menos mentirosa):

O Comando da Retaguarda melhorou os sistemas de alerta [não em todo o país, e não de maneira comprovada] de forma que em caso de emergência, para cada região em Israel haverá um período de alerta diferente, de acordo com as instruções especificadas no mapa. A sirene será ativada através do sistema de alarme, apenas na região onde há perigo de queda de um foguete [o que, evidentemente, não leva em conta o fato de que armas não convencionais tem um dano enorme em um raio gigantesco, nem evidentemente o fato de que um foguete vindo do Iran chega em Israel em algo em torno de 20 minutos - tempo suficiente para rezar, dar tchau pros amigos e até uma rapidinha de despedida]. A sirene poderá ser ouvida também através do rádio e da televisão. Paralelamente, instruções do Comando da Retaguarda serão transmitidas através dos veículos de comunicação [sim, porque depois que você ouve a sirene, estando, digamos, no Neguev, tem 3 minutos para sentar na frente da televisão e ouvir o que esse pessoal tem a dizer a respeito de como sobreviver a uma explosão atômica - no Golan, na região vermelha, vai ter tempo de ouvir o porta-voz do exército dizendo "ehn.... Kabooom!"].

Logo embaixo, na parte azul, ha um quadradinho marrom. É um ímã. Legal, ne? Eles pensaram em tudo. No caso de emergência, ao se ouvir uma sirene, sujeito não vai saber o que fazer. Neste caso tem, nas melhores das hipóteses, 3 minutos para procurar as instruções (caso ele não se lembre que o Comando da Retaguarda ainda vai explicar tudo direitinho pela televisão - em 3 minutos). Assim, ao receber o papel, eles recomendam ao pobre pagador de impostos, que grude o dito na geladeira, que é o lugar mais lógico para se correr no caso de uma emergência - claro. Logo do lado direito (hebraico se lê da direita para a esquerda), debaixo de um naviozinho que parece que está sendo atacado por um monstro marinho mecânico (mais uma das ilustrações que originalmente foram feitas para o mapa) está o texto:

Como escolher o Espaço Protegido [eufemismo que significa Bunker]?

O Espaço Protegido se escolherá de acordo com o tempo necessário para se chegar ate ele ao se ouvir a sirene [pessoal do norte, já sabe, né?] e de acordo com os seguintes critérios:

  • M.M.D. (Espaço Protegido do Apartamento - sigla em hebraico - bem ao gosto do Exército) ou M.M.K. (Espaço protegido do Piso) são as opções preferíveis [quando, obviamente, você tem um à disposição].
  • Bunker - no caso de haver condições de chegar até ele no tempo designado [bom, especialmente porque em geral eles são mantidos trancados. Espero que em 2 minutos dê para achar alguém com a chave. Pessoal do norte: já sabe, né?].
  • Em não havendo MMD ou MMK ou Bunker temporário [o que vem a ser um bunker temporário?] há de se escolher um quarto interno da casa onde há o mínimo de paredes voltadas para o lado de fora, janelas ou aberturas.
  • Moradores do último andar em construção sem MMD ou MMK devem escolher as escadarias de um andar inferior como Espaço Protegido [o que é uma beleza de uma solução, tendo em vista o que vem adiante...]. Não devem ser escolhidos Cozinha, Banheiro ou Toalete [que nesses lugares a bomba é de outro tipo].

Bem, na coluna da esquerda, debaixo do camelo sorridente, o comando continua:

Equipamento recomendado para o Espaço Protegido:

  • Água - 4 litros de água para cada pessoa por dia. É recomendável reservar água para 3 dias. [Eu fico cá imaginando a pobre da família que teve que se organizar na escadaria do andar de baixo... por 3 dias... sem banheiro...].
  • Alimento - em embalagens fechadas como latas ou salgadinhos.
  • Iluminação de emergência ou lanterna, rádio com pilhas e extintor de incêndio.
  • Caixa de primeiros socorros [porque no caso de um ataque não convencional, no máximo vai dar tempo para os primeiros socorros mesmo].
  • Lista de telefones de emergência e parentes.
  • Jogos, jornais, livros, coisas que ajudem a passar um tempo agradável [sério. Juro. É a palavra usada ali. Agradável. Já pensou? Você e toda a família enfiada nas escadarias do andar de baixo, levando mísseis do Iran por mais de 3 dias, comendo só atum e milho em lata, sem banheiro, tentando passar um momento "agradável"? Eu fico cá imaginando... Que tipo de objetos eles sugerem para se passar um momento agradável? Um vibrador?!].
  • Televisão e computador com internet para manter-se atualizado [porque, sério, morrer ali dentro depois de 14 dias e só daí aparecer alguém para te avisar que a guerra já acabou faz 13 dias, seria ridículo].

E assim termina o delicioso panfleto do Exército. Mas como nós sabemos que o Presidente do Iran é de paz (conforme discursou na ONU) e ama a toda a humanidade, e como sabemos que o Hamas e o Hizbollah querem a total aniquilação de Israel apenas na teoria, nos conformamos com esse texto como artigo de ficção.