quarta-feira, agosto 18, 2010

Meu sobrinho sabe Photoshop

Digamos que o diretor de uma enorme montadora de aviões precise de um novo modelo de turbina. Para desenvolver o projeto, ele cria um concurso online e dá um prêmio em dinheiro para a turbina vencedora. Aí ele escolhe entre os projetos enviados e faz a tal da turbina.

Você voaria num avião desenhado desta maneira? Nem eu. E é por isso que não existem concursos deste naipe pelo mundo afora.

No entanto, parece que com desenho industrial e desenho gráfico a coisa é diferente: não é necessário encontrar um profissional da área, não é necessário este profissional compreender o projeto a fundo, nem sequer usar ferramentas sérias. Basta abrir um concurso com prêmio em dinheiro (que normalmente é bem abaixo dos reais custos do projeto) e afirmar por aí que o verdadeiro prêmio para o vencedor é receber o devido crédito - que teoricamente vai catapultar a carreira do dito designer para as alturas.

Li hoje a matéria do caderno Link do Estadão em que Guy Kawasaki explica (orgulhoso) que é exatamente assim que vai fazer a capa do seu próximo livro.

“Pelo método tradicional, a minha editora contrataria uma empresa, que me apresentaria seis ou sete opções de capa, e eu escolheria uma. No CrowdSpring, tenho 4 mil opções”, disse Kawasaki ao Link.
“Mesmo que alguns designers critiquem essa prática, alegando os outros 3.999 designers que perderem a competição terão desperdiçado sua força de trabalho, eu por acaso discordo dessa visão. Eu adoraria, por exemplo, que um jovem, recém-formado designer brasileiro, ganhasse o prêmio. Daria a ele a visibilidade necessária para lançar sua carreira.”

É óbvio que ele discorda dessa visão! Vai estar pagando 1000 dólares por algo de 5 a 10 horas vezes 4000 designers. Façam as contas.

"Ah!" ele afirma "mas o felizardo vai ter visibilidade necessária para lançar sua carreira". Para isso a resposta é um NÃO bem redondo. Essa é uma premissa que existe na cabeça especialmente de quem não conhece o ramo. Não é um trabalho que vai lançar um designer - por mais que seja isso que ele (o jovem designer) espere que vai acontecer. É necessário bastante visibilidade sim. Mas é algo que se constrói ao longo de uma carreira. Faz parte da própria carreira.

Vamos fingir então que todos os designers que mandaram seus trabalhos sejam igualmente competentes. Neste caso, a chance de cada um ganhar o prêmio é de 1/4000. Se o valor é de 1000 dólares, isso significa que trata-se de um investimento cujo retorno deve ser de 25 centavos em média. Se o trabalho em geral neste tipo de concurso é algo entre 5 e 10 horas (tomemos 7.5 como referência), cada designer estará trabalhando para ganhar 3 centavos por hora. Para valer à pena, a tal "visibilidade" que o tal internético promete em sua entrevista, deve valer muito.

Ele também acha lindo maravilhoso que terá 4000 diferente modelos de capas para escolher. Desenho industrial e desenho gráfico significa, acima de tudo, tomar decisões. Se ele tiver que escolher entre 4000 trabalhos, na verdade, seria melhor que jogasse aleatoriamente imagens em sua tela e escolhesse uma delas do que pagar 1000 dólares pelo concurso. Ou, poderia contratar um designer gráfico competente para escolher um dos 4000 trabalhos. O que seria bastante contraproducente, já que toda a idéia é não contratar um designer.

Agora, ele poderia fazer como vários quase-clientes meus, logo que recebem meu orçamento: "Ah! Tenho um sobrinho que sabe Photoshop, vou dar para ele fazer" - o que é o equivalente, no caso da turbina: "Ah! Tenho um sobrinho que sabe Autocad, vou dar para ele fazer"

É que as pessoas acham que design é apenas estética e uso de computador para desenhar. Comunicação visual não existe. Mensagem subliminar, linguagem gráfica, nada disso existe.

Ninguém fica achando que desenhar uma turbina exige apenas conhecimento de solda de alumínio e um programa de CAD.

Fazer a capa de um livro exige conhecer o mercado do livro específico, entender a mensagem do livro, absorver os interesses editoriais tanto da editora quanto do autor, compreender a linguagem gráfica de livros análogos e afins. No final das contas, depois de MUITO trabalho, vai-se ao computador (ou às vezes à prancheta mesmo).

E depois, você ainda pode ganhar um milhão de dólares se o cliente não vier pedindo alterações nas cores ou nas linhas, baseado apenas em sua opinião e gosto pessoal.

Eu nunca vi o dono de uma empresa dizer para um engenheiro que a turbina precisa ter uma outra curva, ou ter um compressor com menos pás, porque era assim que ele imagina que as coisas devam ser.

Um comentário:

José Antonio disse...

É Gabriel, também tenho esse problema na consultoria de gestão empresarial. O cara diz: Ah, comprei esse programa que vai fazer tudo que vc. quer implantar.