O que faz com que um café possa ser considerado um café ruim? A princípio teríamos que pensar bem o que faz com que um café afinal de contas seja bom. Você pega uma espécie de frutinha, seca, deixa ela tostar, depois moe num pó e faz uma infusão do resultado obtido. No final das contas, o que se obtém é um líquido preto, opaco, amargo e – proporcionalmente ao volume – caro. Quem diabos inventou essa história de tomar café?
Tinha, uma vez, faz muito tempo, um pequeno texto nos potes de Nescafé contando resumidamente a história da bebida. Já não lembro mais as exatas palavras do texto, mas com boa vontade era mais ou menos assim:
"Há milhares de anos, na antiga Pérsia um pastor de cabras levava seu rebanho quando reparou uma das cabras comendo pequenos frutos vermelhos de um arbusto. Notou então como a cabra se tornou mais energética e ativa. A partir daí o pastor resolveu secar o fruto, torra-lo, moe-lo e misturá-lo com água fervente. Surgiu então o café."
Tá certo; falta espaço em um pote de Nescafé para contar a história da coisa. Mas daí para resumir desse jeito, fica até chato. Ficava imaginando um desenho do Perna Longa assim: Perna Longa de pastor vê uma das cabras pulando feito doida, então uma pequena lâmpada acesa surge na cabeça dele "plim!" e ele diz: "Já sei! Vou inventar o café!"
E assim o pastor pula 2500 anos de história sem qualquer penalidade. Já a história do café solúvel eu conheço. Foi na época da inquisição: Os inquisidores estavam procurando uma maneira infalível de ao mesmo tempo punir os infiéis, torturá-los a fim de chegar à confissão e mantê-los acordados. Inventou-se então o café solúvel. Essa invencionice de superprodução brasileira, segunda guerra e etc foi idéia da Igreja para escapar da culpa de ter produzido coisa tão asquerosa.
Mas existe coisa muito pior. Por exemplo, o café de avião. Tomei um desses, me lembro bem, num trem na Austrália (como assim, um café de avião num trem? Pode disso? Sim, pode sim, caro leitor. É que café de avião é uma classificação genérica de várias bebidas horrorosas derivadas do original café; efetivamente café de avião pode ser servido em qualquer lugar do planeta – incluindo um trem). Onde estava? Ah! Sim, num trem de Sydney a Melborne. Era um copinho desses que fecha por cima. Não é para você não derramar. É para você não ver o que tem dentro. Desde quando, por exemplo, que é possível ver o fundo de um copo cheio de café? Fácil: é um café de avião. É como água suja, com cheiro de água suja e teoricamente com gosto de água suja. Teoricamente porque eu não tenho a menor ideia de que gosto tenha água suja, que nunca provei. Neste caso, a água suja lembra vagamente o gosto de café. Este é, portanto, o café de avião. É tão fraco que dá sono.
Cientistas de diversas partes do mundo ainda pesquisam os motivos pelo qual o café de avião é preparado desta maneira. Até agora ninguém descobriu (soube-se, mais tarde, que em meio a uma discussão alguém sugeriu um cafezinho. Na falta do produto legítimo, acabaram tomando as amostras da pesquisa. Todos caíram no sono e nunca mais se recuperaram).
Tem também o oposto do café de avião: o café turco. O que? Toma-se café na Turquia? Imagino que sim, embora ainda não estive na Turquia. E me diga uma coisa: o café que se toma na Turquia é turco? Sim, imagino eu, embora mais da metade da população considere a bebida nacional o chá de macieira.
Café turco é algo bizarro, bárbaro, truculento. Ele é também bem simples. Pegue pó de café e cozinhe com água até ferver. Depois abaixe o fogo, ponha um pouco de açúcar e algumas ervas. Misture bem e sirva.
Com pó e tudo.
A proporção é de mais ou menos umas três colheres de chá de pó de café por copinho. Cozinhado! É tão forte que se misturado à gasolina faz o carro voar. E toma-se quase até o pó no fundo ficar aparente. Tem, é claro, quem beba o pó também. Mas esses são os hardcores, os soldados em vigília, os porteiros, os colunistas com seus textos atrasados.
Bebe-se muito disso por aqui, e só recentemente se descobriu que café pode ser uma bebida agradável além de tudo. Grãos selecionados, machinetas italianas e outras fofuras mais sendo importadas.
Aí está uma linha trágica para qualificar os vários povos. Há os que tomam cafés bons, como costumam fazê-lo os latinos, como italianos, franceses, espanhóis e até mesmo brasileiros (fora de Niterói, que café de butiquim em Niterói é o fim da picada). Há os que tomam aquela coisa aguada e quente que ninguém jamais vai entender de onde veio, como bem sabem-se os Anglo-Saxões e há, aqueles que não tem meio termo: é para tomar café? Pois bem, macho que é macho come o pó e não fica passando aguinha... Esses são os daqui.