sexta-feira, agosto 15, 2008

Avoados

Vou passar a história aqui do jeito que me contaram. E quem contou disse que a história é verdadeira. Deus me livre de duvidar das minhas fontes. Mas como eu não sou jornalista (bate na madeira três vezes e beija o cartão de crédito), eu tiro o meu da reta. Enfim, ia aquele grupo de excursão para sei lá onde. Pode bem ser Israel, como pode ser Disney. Adolescentes, enfim, não importa de onde ou para onde – sendo brasileiros são problema. Estavam todos lá nos seus devidos postos dentro do avião. Assim contando parece que foi mole, mas eu já vi como essa coisa de “devidos postos” acontece. É cadeira numerada, mas no final rola um cada-um-por-si-e-eu-com-a-Carlinha-que-é-muito-gata-e-eu-não-estava-afim-mesmo-de-dormir-neste-vôo. A Sônia não senta do lado do Renato, que está afim da Joana que queria mesmo era ficar com o Carlinhos que está afim de tentar fumar no banheiro para ver o que acontece, que fica perto de onde estava sentada a tal da Carlinha, e uma rodinha de rapazes envolta se socando para sentar pelo menos duas poltronas dela. Isso eu conto de ser fonte primária. A fonte não entrou nesses detalhes – provavelmente sentou-se longe da Carlinha e ficou sem saber da baderna que rolou lá no fundo do avião. Mas eu que conheço bem esse povo posso imaginar que ninguém dormiu muito por aquelas bandas.

E assim ia a turma, de avião, para sabe-se lá que parte do mundo. Eram adolescentes e eram brasileiros – o que já configura um potencial crime contra a humanidade (ou pelo menos atentado ao pudor). Ao longo do vôo a baderna ia solta. Nem precisavam usar qualquer camiseta ou elemento de identificação. Eram facilmente identificáveis: era só ver com quem as aeromoças gritavam.

Mas justamente sobrou uma turma mais sóbria que ficou sentada da metade para adiante do avião. Eram jovens, mas se portavam mais ou menos direitinho. Não pareciam adolescentes, ou talvez não pareciam brasileiros. Aceitaram o uísque (que tinha um tempo que o uísque rolava solto nos vôos internacionais. – Aliás, uma vez eu resolvi fazer um vôo de Israel ao Brasil pela VARIG. Era uma maneira de tomar guaraná antes de chegar em casa. O vôo da El-Al foi até Londres, e de lá o avião da dita falida companhia partiu para São Paulo. Sentei-me ao lado de um irlandês muito gente boa que ia passar três meses no Brasil. Era engenheiro de exploração de petróleo em alto-mar. O nome da engenharia mais comprido que eu já tinha visto até então. E eu que estava ansioso para pedir meu guaraná fui surpreendido pelo meu vizinho de acento pedindo um uísque. Nem pensei duas vezes, pedi também. Cheers! Mantive com louvor tanto meu inglês quanto meu fígado naquela viagem, que o cara, como bom irlandês era bom de copo, e péssimo em dicção).

De que falava eu quando fiz essa digressão pelo uísque? Ah! Sim. O uísque. Falava do grupo que sentou na frente. Pois bem, de comportados que estavam, nem levantavam suspeitas; pediram uísque, uísque veio. Pediram mais, mais veio. E comida? Pois comida veio. Mais guaraná, por favor? Muito obrigado. A senhorita (chamavam a aeromoça de senhorita – o que a fez suspeitar de que eles eram gozadores, anacrônicos ou simplesmente nerds – não eram, e ela já, já ia descobrir) poderia trazer mais um pão? Muitíssimo obrigado.

O que ninguém reparava – o que era na verdade a intenção dos garotos: que ninguém reparasse – era que eles praticamente não comiam. O que eles faziam com a comida na verdade era um preparo muito especial. Picavam bem picadinho toda massa sólida e colocavam com cuidado dentro do saco de vómito. Depois picavam o pão, empapavam no guaraná e enfiavam a maçaroca no saco também. No final despejaram um pouco de guaraná puro (sem gelo) ali dentro. Não sei se o leitor sabe, mas guaraná quando em contato com pão (ou bolo) cresce e vira uma substância nem líquida nem sólida – uma espuma amarelada de aspecto nojentíssimo, mas com gosto de guaraná.

Enfim, começa o primeiro ato: um deles faz que começa a passar mal. Os outros fazem como se lhe prestassem assistência. Passa mal, levanta, senta, vai ao banheiro, volta... chama a atenção de toda a região. Velhinhas com comprimidos na bolsa vão em socorro. Não posso, sou alérgico, responde o rapaz, se contorcendo de pretendido enjôo. Estava branco feito uma geladeira. Sabe-se lá como fazia isso. Os comparsas nem tentavam ajudar mais. Estavam ocupados demais se segurando para não rir.

Quando o fedelho já tinha certeza que todo mundo não só se compadecia dele mas também já sofria só de ouvir, começou o segundo ato. Pegou o saco de vômito, enfiou a cara dentro e fez que vomitava. Fazia-o sonoramente, histericamente, quase como se alguém estivesse arrancando suas tripas pela boca. E parou. Fez que sentia-se melhor, e finalmente quando todo mundo achava que a coisa acabou, lá ia ele, de novo, a chamar o Hugo.

Fez isso umas três ou quatro vezes. E então começou o ato final. Quando tinha certeza que quase todo mundo olhava para ele, disse em voz alta:”Ah! Bem melhor agora. Gente! Que fome!” enfiou a mão no saco, tirou lá de dentro, com a mão mesmo aquela papa preparada anteriormente e pôs-se a comer ali no meio do corredor.

E tem gente que ainda acha que a crise das empresas aéreas tem como motivo o preço do petróleo. Eu, hem?

Um comentário:

arina.alba@gmail.com disse...

Depois dessa cena medonha, aposto que muita gente comecou a chamar o Hugo de verdade... eu seria a primeira, ichsssssaaaaa!!!!
Sobre brasileiros em grupo, tenho muito o que falar dos tempos em que trabalhei num hostel no Brasil. Eu e meus outros amigos recepcionistas fizemos uma escala das piores nacionalidades em grupo. Em 1o lugar, Brasileiros; empatados em 2o, Argentinos e Israelenses; e em 3o lugar, os barraqueiros/cachaceiros Ingleses. Isso tudo foi formulado apos todos nos concordarmos que qualquer nacionalidade em grupo vira assustadora, mas alem disso algumas ainda se destacam. E como se destacam...