terça-feira, julho 14, 2009

A propaganda da Cellcom, e quando o buraco é bem mais lá embaixo.

Comerciais televisivos são antes de tudo um sistema para costurar toda uma gama de imagens na cabeça do consumidor/cliente. A linha de costura é emoção, e aqui vale de tudo, desde paixão até humor.

Pessoalmente tenho um horror a esta propaganda por motivos estéticos. Os símbolos usados são absurdamente primários, passando de longe o óbvio, até mesmo para um observador não atento: soldados, como símbolo nacional, que une elementos de família, moral e "bom". A bola de futebol, como forma de comunicação universal, além de entretenimento. A música, uma versão moderninha de um clássico pop israelense. A locação é desértica, mas as cores são super-saturadas, puxadas para o azul.

Como se não bastasse como injúria suficiente, vem a linha que une tudo isso: a emoção da mensagem. E esta peca o pior dos pecados estéticos. É Kitsch. É mais que kitsch, é überkitsch. É exatamente o tipo de estética totalitária que pede para não questionarmos nenhum elemento do simbolismo. Quem pode questionar que quer paz? Quem pode questionar que o futebol une os povos? Quem pode questionar como é bonito ver jovens (supõem-se que do outro lado são jovens também) sobrepondo-se à calamitosa situação em que se encontram possam dar um tempo e dialogar com o "outro lado" por essa via tão humana que é o esporte? E sob um pano de fundo tão controverso ainda por cima! A música, as moças bonitas sorrindo... Sim, é para chorar, não?

Sim, porque truques tão baratos assim são para chorar mesmo.

Certo, mas não foi por causa da catástrofe estética que este comercial foi linchado (embora a falta de sofisticação seguramente piorou sua situação).

Qualquer palestino a se aproximar do muro hoje à distância suficiente para poder chutar uma bola, provavelmente vai ser morto antes de poder explicar que tudo que ele quer é "se comunicar via esporte". Qualquer objeto a cair sobre um veículo de patrulha do exército nesta posição provavelmente traria imediatamente um contingente de um pelotão do exército, alguns veículos de infantaria e um ou dois helicópteros. O fim da história seria muito feio.

Num mundo de fantasia que foi criado para emocionar (de maneira barata), todos os elementos que foram na verdade o que principiaram toda o ciclo de violência foram esterilizados. Até mesmo os palestinos foram profundamente esterilizados - porque nem aparecem. A tal ponto que fica difícil entender como é que não fazemos paz amanhã mesmo. E isso é barato e isso é cínico, basicamente porque como vários dos elementos esterilizados foram impasses criados primeiramente por Israel, isso tira boa parte da responsabilidade do lado de cá. Como se trata de uma companhia particular que não tem nada que com o governo e/ou política, apenas um grupo com necessidade viceral de tocar no sentimento das pessoas, tudo passa de cínico para pura cara-de-pau e muito mau gosto.

Bem, agora certas perguntinhas de ordem pratica e/ou filosófica;

Se a empresa é particular, qual é o problema dela divulgar o que quiser? O objetivo dela é vender produtos e serviços, não? Quem não quer que não compre!

Verdade. Problema deles. Meu problema é que a propaganda foi projetada para agradar ao gosto do público. E se 1) é essa realidade esterilizada que agrada ao povo, nós estamos em um baita problema e se 2) não é, mas depois de ralar muito a empresa chegou à conclusão que sim, então estamos em um baita problema.

Propagandas não foram feitas para retratar a realidade.

Verdade. Vide resposta acima.

Por que tanta polêmica por tão pouca coisa?

Porque trata-se da identidade do israelense médio, e por conseguinte, a capacidade de se poder chegar a algum acordo a médio e longo prazo. E tapar o sol com a peneira é uma coisa muito, muito feia, e só vai resultar em problemas.

Eu achei emocionante. Você é contra a paz?

Sou contra dar aspirina para doente de câncer. Desejar a paz não significa concordar e se emocionar com qualquer aparição da simbologia de paz. Não são a mesma coisa.

Para terminar, um pequeno resumo da ópera dos dois últimos dias, pelo Reuters;

7 comentários:

paulista1950 disse...

Eu também sou contra dar aspirina para doente de câncer, mas sou muito mais contra ainda tratar um resfriado antes de um câncer, dazer alarde sobre uma mancha na parede de uma casa em chamas.

Diga-se o que quiser deste comercial, mas comparado ao que os palestinos ensinam suas crianças sobre os judeus, aos cartoons publicados na imprensa deles, às cartilhas de suas escolas, ele não chega nem a ser uma piada.

Ricardo Siqueira disse...

Gabriel, infelizmente cheguei atrasado pra dizer que o comercial, além de horroroso, é pouco original. Quem teve a idéia primeiramente foi o One Voice Movement, que me parece um desses movimentos útópicos pacifistas que defende a copa do mundo de futebol de 2018 em Israel E Palestina :S
Segue o vídeo da propaganda:
http://www.youtube.com/watch?v=Ll-oEOPUeEE

Gabriel Paciornik disse...

Ricardo Siqueira nao conhecia nem esta proposta, muito menos este video. Que chupada mais feia! E mal chupado ainda por cima, porque toda a ideia deste video original foi completamente esfarelada pela nova versao.

Obrigado pela dica!

Anônimo disse...

Acho lamentável que você fale mal do prefeito de Jerusalem no blog antissemita do Gustavo Chacra.
Por acaso SP tem um prefeito progressista?
Já chega de tantos falarem mal de Israel. Se você mora aqui, respeite pelo menos o país que te recebeu. Isso é, no mínimo, ingratidão. Você é tão judeu quanto eu, somos feitos do mesmo material e estamos aqui por ideologia e não para trair quem nos deu a mão.
Márcia

Gabriel Paciornik disse...

Desculpe, Marcia, mas nao entendi teu comentario.

Eu nao falei mal do prefeito de Jerusalem (de quem alias, gosto muito). Ele nem sequer entrou no assunto.

O sujeito a quem eu critiquei eh um senhor chamado Yisrael Katz. E ele nao eh progressista: eh uma das pessoas mais conservadoras que eu conheco. E o que quer conservar? Basicamente seu proprio poder politico no seu curralinho pessoal, que funciona na base da extrema direita.

Acho lamentável quem fala mal de Israel sem conhecimento, porque normalmente fala besteira histérica e sem base. Eu nao falo mal. Eu critico o que faz com que este pais seja um pouco menos do que ele poderia ser. (A incompetencia administrativa e a ganancia de poder do Yisrael Katz ja colocaram Israel a perder varias e varias vezes).

Pago impostos, contribuo para este pais, e portanto nao aceito a posicao de "nos deu a mao". Eu faco parte integral da forca que tenta construir um lugar melhor. Nao um acolhido que recebeu tudo de mao beijada.

Vou seguir criticando sujeitos como o Katz exatamente porque amo este pais, e quero melhor para ele.

*leitora* disse...

Comentários com o da márcia só corroboram a imagem negativa de israel. A lógica do raciocínio tbm é brilhante, moro em Israel, logo, não posso questionar absolutamente nada. Hein???
O blog antissemita?Olha, até acho que o blogueiro (gustavo) deixa passar algumas provocações, mas de ambos os lados, mas ele passa longe de ser antissemita.

Ricardo Siqueira disse...

Suas férias já acabaram? Po eu achei que ia rolar algo tipo um post/dia rs.

E o mailling do grupo? desistiu? Tem rolado umas discussões interessantes lá nos ultimos dias.