domingo, agosto 16, 2009

Anarco-Sindicalismo de base

Minha primeira experiência com o anarco-sindicalismo ativo foi em Ibbim, num movimento contra a burocracia burra e especialmente contra nosso aborrecimento geral e falta do que fazer.

O assunto da baguaça foi comida, e a comédia se consumou (ou se consumiu) em três atos. O primeiro foi a privação. Especialmente no item qualidade. Um bom exemplo foi a sopa que o Adrian resolveu fazer.

- Mas você sabe fazer sopa?

- Por supuesto! Es extremamente sensillo! Ferver el água, poner unos fidelitos y unos cubitos de caldo de gallina. Y listo!

Eu suspeitei de tanta simplicidade, mas ele parecia confiante. Depois da sopa passei a duvidar da confiança dele. Após fervida a água e de adicionado dois cubinhos, ele provou e julgou faltar sabor. Colocou mais dois cubinhos. "Perá... estava demassiado sin sabor... quisá mas dos... no, tres, no, seis!". E foi-se a caixa de cubinhos toda dentro d'água fervendo.

Para se ter uma ideia, a colher de plástico branca usada para misturar a coisa existiu invicta durante vários anos depois do episódio. E ainda estava manchada de amarelo até a última vez que eu a vi.

O segundo ato foi o ataque burocrático diretamente em nossos estômagos. Estudávamos hebraico no colégio de Sapir, uns cinco ou sete quilômetros de onde morávamos. Voltávamos para casa, preparávamos um prato simples (a refeição principal era a janta) e passávamos as horas. Mas eis que a Sochnut desenvolveu um nefasto plano para acabar com nossa "folga". Teríamos que comer no refeitório do centro de absorção.

A decisão arbitrária nos foi imposta pelo diretor do lugar. "Vocês tem que comer lá". Por mim não havia problema naquilo. Mas nós teríamos que pagar. E daí o buraco era mais embaixo. Não discutimos muito naquele momento e simplesmente decidimos tentar.

Mas a comida revelou-se ainda abaixo das expectativas qualitativas de gente que vinha tomando sopa radioativa do Adrian, como nós. Sentávamos e comíamos como todo mundo, mas no fim reclamávamos.

Com o tempo, passamos a desenvolver várias técnicas de fazer valer nosso dinheiro. Como bons latinos, comíamos devagar, falando muito e éramos normalmente os últimos a sair do refeitório. Como os russos pelo jeito não tem muito hábito de comer pão durante a refeição, deixavam vários pacotes de pão fatiado sobre as mesas. Levávamos tudo. E as frutas de sobremesa também. A diretoria não gostou, e resolveu contar o pão sobre as mesas.

Foram várias cartas de reclamação até que decidimos marcar mais uma reunião com o diretor (seria algo como a décima). A pergunta era: Por que éramos obrigados a pagar para comer no refeitório?

A resposta é típica da burocracia israelense. A Sochnut dava uma espécie de ajuda de subsistência para os jovens imigrantes enquanto estudavam hebraico. Mas eles descobriram que os russos gastavam tudo em cigarro. Como o dinheiro era pouco, eles resolveram pagar metade de uma refeição. Outra metade os próprios imigrantes pagariam. E não podíamos recusar, porque a metade do dinheiro da Sochnut já estava encaminhada. Como era dinheiro contado, a diretoria tinha que servir a refeição.

Ou seja: ainda por cima, a refeição custava o dobro do que estávamos pagando. E éramos obrigados a pagar porque um bando de hooligans russos gostavam de fumar e porque a diretoria não sabia como se virar com o dinheiro.

E aí começou o anarco-sindicalismo de ação no terceiro ato. Decidimos que as cartas e as reuniões não estavam mais surtindo efeito.

De qualquer maneira necessitávamos de um pouco de ação, e assim o fizemos. Entrávamos no refeitório, nos servíamos e começávamos a cantar, fazendo muito barulho.

"Liberte! Igualite! Eu não quero comer!"

Continuávamos sendo os últimos a sair de lá, depois de fazer uma zona lá dentro. E sem tocar em um grão de arroz sequer. (Antes de sair, ao nos levantarmos, cantávamos o hino nacional).

Alguns dos nossos amigos búlgaros começaram a gostar da ideia, e entraram na onda. Logo foi um casal da Bielorrússia e, enfim, em menos de uma semana, todo o resto.

O diretor, que havia sido cretino o suficiente a ponto de ameaçar nossa saída de lá se não pagássemos pela meia refeição, não podia fazer nada. Acusar-nos de que? De cantar o hino nacional? De encher os pratos sem comer?

De repente as cartas começaram a funcionar. Um dos importantes diretores da Sochnut resolveu vir visitar-nos e ver o que estava acontecendo lá pessoalmente. Menos de uma semana depois de começarmos a fazer barulho passamos a ganhar um vale para ser usado na cantina do colégio e comermos o que quiséssemos.

Embora gente no Brasil vire presidente por fazer esse tipo de coisa, aqui não tive muitas chances na política depois disso. Vai ver, também, foi porque nunca me candidatei a nada.

3 comentários:

Ricardo Siqueira disse...

"Liberte! Igualite! Eu não quero comer!"

hahaha só faltou uma versão em hebraico de "Pra não dizer que não falei das flores" pra virar um autêntico C.A. da USP.

Shlomit Or * Luciana Gama disse...

você escreve bem, um narrador e tanto...e me arranca gargalhadas!!!!!!

Anônimo disse...

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