sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Entre os Crentes e os Cínicos

A realidade só é mesmo digesta para aqueles que são cínicos ou para aqueles que são crédulos.

A frase original não é minha e eu não me lembro quando a li, nem de quem ela é nem sua forma original. Adapto-a às minhas próprias necessidades.

A frase é especialmente verdadeira no caso de Israel. E é mais válida ainda nos dias de hoje. Tenho reparado que, simplificando um monte, o povo se divide em esquerda e direita. Quando o governo é de esquerda, o povo de esquerda se torna crédulo, o povo de direita se torna cínico. Agora, quando o governo é de direita, o povo da direita se torna crédulo, e o povo esquerdista se torna cínico.

Alguns (como este que vos escreve) seguem cínicos haja este ou outro governo . Mas acho que nunca vi ninguém que siga crédulo por vários governos seguidos.

Vamos usar como exemplo, para tentar simplificar as coisas, o atual governo.

Para quem ainda não reparou, o atual governo, liderado por Biniamin Nataniahu, é de direita. Não uma direitinha qualquer, mas uma mega direita, uma coalizão com ultra-nacionalistas de um lado, ultra-religiosos de outro, uma agenda conservadora até mesmo no plano doméstico.

Abro um parênteses aqui para advertir meus caros leitores a não se precipitarem em tirar conclusões a respeito da orientação dos governos de Israel baseados em pura retórica (Lieberman disse isso, Bibi disse aquilo, Barak afirmou aquele outro). A retórica é parte do cinismo, como virei a explicar mais abaixo. A classificação do posicionamento de um político tem, na verdade, a ver com o tipo de lei que este vem tentando promulgar, qual é o tipo de voto na Knesset, que políticas internas apoia. Como a imprensa internacional não se fixa muito em nomes de políticos relativamente obscuros, muito menos da politicagem de 2o e 3o escalão, fica parecendo que há uma sólida colocação que pode ser facilmente refletida na retórica internacional (Lieberman disse isso, Bibi disse aquilo, Barak afirmou aquele outro). Enfim, não há tal reflexo. Fim dos parênteses.

Dentre os diversos problemas enfrentados pelo atual governo, se destaca o dos colonos. Já faz mais de 30 anos que o colonialismo e o expansionismo são identificados com a direita israelense. Sendo o governo de direita (e cheio de representantes dos colonos), os colonos são os crentes, os anti-colonos são os cínicos. Nataniahu afirma para Obama que fará uma pausa nas construções nos assentamentos, lá vem os colonos (crentes) a chiar, acreditando que a política é a sério, e que é exatamente o que vai acontecer. Ficam os esquerdistas (cínicos) a lembrarem que nada do que o Bibi diz realmente é feito, e que, mais a mais, não faz sentido uma paralisação nas construções nos assentamentos. Ou bem se para permanentemente, ou se segue construindo como antes.

Na verdade só dei um exemplo conhecido para apresentar melhor o ponto. Ele nem sequer é o melhor exemplo. Os melhores estão dentro da política interna, gerados pelo 2o e terceiro escalões que a imprensa internacional nem se dignifica em noticiar (o que é uma pena - quem sabe alguém fora de Israel passasse a ter pena da gente e viesse tentar nos salvar de nossos políticos).

Aqui vai: O ministro da justiça, Yaakov Neeman, afirmou, durante um congresso rabínico, que "A glória passada deveria ser restaurada, que a lei da Torah seja a lei unificadora do Estado de Israel" em uma colocação claramente teocrática, retrógrada e política (dada a incompatibilidade de manter um sistema jurídico conciso e ter uma lei de 3000 anos de idade).

O ministro foi ovacionado pelos rabinos e criticados por todo o resto. Os que apoiam uma iniciativa dessas claramente relevam a impossibilidade de tal implementação e babam sobre esse sonho teocrático, ainda mais quando vem de um ministro. E assim se tornam crentes. Todo o resto, mortificado com a possibilidade de nos tornarmos de facto uma Arábia Saudita, mesmo sabendo da impossibilidade concreta de isso acontecer por decreto, fica aterrorizado. O suficiente para só poder seguir respirando fazendo muita crítica e piada a respeito. São os cínicos. Só sendo muito cínico para passar um susto desses vivo.

Uma outra aqui: O aqui já festejado ministro das finanças (festejado aqui, como cínico que sou) Yuval Steinitz pediu para a suprema corte parar de tomar decisões judiciais que fossem caras demais para o Estado. Quem não faz ideia do que significa democracia e divisão de poderes, aplaude a ideia, e como crente que são, realmente acreditam que agora o país estará redimido e terá seu futuro salvo. Os outros ficam tão aterrorizados que só o cinismo para salvá-los de um ataque cardíaco fulminante.

A última do Mossad? Só com muito cinismo, algum sarcasmo e uma dose de ironia (grossa, que a fina a gente reserva para assuntos mais sérios) a gente leva. A pior? A ideia (link não é o oficial do Ministério, mas de um fellow blogger que explica não só a ideia em si, mas o contexto da coisa) do Ministro da Informação Pública e da Diáspora e sua campanha de Hasbará popular. É literalmente rir para não chorar.

Houve quem escreveu, em geral dentro de regimes totalitaristas, que os cínicos são a desgraça da nação.

Acho que só quem viu seu país entrar em uma guerra inconsequente (mais de uma vez) entende que o que realmente mina a viabilidade de uma verdadeira democracia é a crença desvairada.

Um comentário:

Hilton disse...

Gabriel...
Interessante teu post mas é preciso lembrar que a política interna de cada país é tão chata que é difícil de ser acompanhada até pelos habitantes desse mesmo país, imagine pelos estrangeiros...
Muitos discursos mas pouca coisa REALMENTE acontecendo...
Aliás eu prefiro quando NADA acontece...
abraços