quarta-feira, dezembro 19, 2007

Cafezinho

O que faz com que um café possa ser considerado um café ruim? A princípio teríamos que pensar bem o que faz com que um café afinal de contas seja bom. Você pega uma espécie de frutinha, seca, deixa ela tostar, depois moe num pó e faz uma infusão do resultado obtido. No final das contas, o que se obtém é um líquido preto, opaco, amargo e – proporcionalmente ao volume – caro. Quem diabos inventou essa história de tomar café?

Tinha, uma vez, faz muito tempo, um pequeno texto nos potes de Nescafé contando resumidamente a história da bebida. Já não lembro mais as exatas palavras do texto, mas com boa vontade era mais ou menos assim:

"Há milhares de anos, na antiga Pérsia um pastor de cabras levava seu rebanho quando reparou uma das cabras comendo pequenos frutos vermelhos de um arbusto. Notou então como a cabra se tornou mais energética e ativa. A partir daí o pastor resolveu secar o fruto, torra-lo, moe-lo e misturá-lo com água fervente. Surgiu então o café."

Tá certo; falta espaço em um pote de Nescafé para contar a história da coisa. Mas daí para resumir desse jeito, fica até chato. Ficava imaginando um desenho do Perna Longa assim: Perna Longa de pastor vê uma das cabras pulando feito doida, então uma pequena lâmpada acesa surge na cabeça dele "plim!" e ele diz: "Já sei! Vou inventar o café!"

E assim o pastor pula 2500 anos de história sem qualquer penalidade. Já a história do café solúvel eu conheço. Foi na época da inquisição: Os inquisidores estavam procurando uma maneira infalível de ao mesmo tempo punir os infiéis, torturá-los a fim de chegar à confissão e mantê-los acordados. Inventou-se então o café solúvel. Essa invencionice de superprodução brasileira, segunda guerra e etc foi idéia da Igreja para escapar da culpa de ter produzido coisa tão asquerosa.

Mas existe coisa muito pior. Por exemplo, o café de avião. Tomei um desses, me lembro bem, num trem na Austrália (como assim, um café de avião num trem? Pode disso? Sim, pode sim, caro leitor. É que café de avião é uma classificação genérica de várias bebidas horrorosas derivadas do original café; efetivamente café de avião pode ser servido em qualquer lugar do planeta – incluindo um trem). Onde estava? Ah! Sim, num trem de Sydney a Melborne. Era um copinho desses que fecha por cima. Não é para você não derramar. É para você não ver o que tem dentro. Desde quando, por exemplo, que é possível ver o fundo de um copo cheio de café? Fácil: é um café de avião. É como água suja, com cheiro de água suja e teoricamente com gosto de água suja. Teoricamente porque eu não tenho a menor ideia de que gosto tenha água suja, que nunca provei. Neste caso, a água suja lembra vagamente o gosto de café. Este é, portanto, o café de avião. É tão fraco que dá sono.

Cientistas de diversas partes do mundo ainda pesquisam os motivos pelo qual o café de avião é preparado desta maneira. Até agora ninguém descobriu (soube-se, mais tarde, que em meio a uma discussão alguém sugeriu um cafezinho. Na falta do produto legítimo, acabaram tomando as amostras da pesquisa. Todos caíram no sono e nunca mais se recuperaram).

Tem também o oposto do café de avião: o café turco. O que? Toma-se café na Turquia? Imagino que sim, embora ainda não estive na Turquia. E me diga uma coisa: o café que se toma na Turquia é turco? Sim, imagino eu, embora mais da metade da população considere a bebida nacional o chá de macieira.

Café turco é algo bizarro, bárbaro, truculento. Ele é também bem simples. Pegue pó de café e cozinhe com água até ferver. Depois abaixe o fogo, ponha um pouco de açúcar e algumas ervas. Misture bem e sirva.

Com pó e tudo.

A proporção é de mais ou menos umas três colheres de chá de pó de café por copinho. Cozinhado! É tão forte que se misturado à gasolina faz o carro voar. E toma-se quase até o pó no fundo ficar aparente. Tem, é claro, quem beba o pó também. Mas esses são os hardcores, os soldados em vigília, os porteiros, os colunistas com seus textos atrasados.

Bebe-se muito disso por aqui, e só recentemente se descobriu que café pode ser uma bebida agradável além de tudo. Grãos selecionados, machinetas italianas e outras fofuras mais sendo importadas.

Aí está uma linha trágica para qualificar os vários povos. Há os que tomam cafés bons, como costumam fazê-lo os latinos, como italianos, franceses, espanhóis e até mesmo brasileiros (fora de Niterói, que café de butiquim em Niterói é o fim da picada). Há os que tomam aquela coisa aguada e quente que ninguém jamais vai entender de onde veio, como bem sabem-se os Anglo-Saxões e há, aqueles que não tem meio termo: é para tomar café? Pois bem, macho que é macho come o pó e não fica passando aguinha... Esses são os daqui.

7 comentários:

Pax disse...

Cara, teus textos são muito bons !

Anônimo disse...

Gabriel,

Cheguei ao seu blog depois de ler o texto que você deixou lá no blog do Pedro Dória. Sensacional. Gostaria de dizer que ele me despertou uma sensação que não tinha desde minha remota adolescência: uma apaziguadora satisfação por ser judeu. Sem essa coisa fascista que permeia as relações políticas com o entorno árabe/palestino. Parabéns.

Andre Fucs disse...

cafe turco rox!

Aluizio Amorim disse...

Salve, Gabriel:
cheguei aqui depois de ler o seu texto lá no blog Rua da Judiaria. Não sou judeu mas defendo o povo judeu e Israel. E até escrevi dia desses um post a respeito dos 60 anos de fundação de Israel e mantenho link para o Rua da Judiaria. Gostei muito do seu texto. Um grande abraço do Aluízio Amorim, de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

Aluizio Amorim disse...

Cara,
agora li o post sobre o café. Por coincidência sou razoável conhecedor de café. Modéstia às favas. Entendo bem além do senso comum. Você tem toda razão em designar, como eu, o café vagabundo como água suja. A maioria dos cafés que se bebe por aí, inclusive aqui no Brasil, o maior produtor mundial, são porcarias. Recentemente é que começamos a beber café de primeira, o legítimo Coffea Arábica que era todo exportado e sobrava para nós um pó preto e de origem desconhecida...hehehe...Mas agora já existe coisa de primeira para se degustar aqui no Brasil. Mas quando você andar por aí e não sabe onde há um bom café procure pelo café italiano Illy, considerado o melhor blend para espresso do planeta. Aqui custa em torno de 100 reais o quilo! Mas já podemos prescindir do Illy. Mas aí em Israel tenho certeza que vc encontrará o Illy. Então estará tomando um ótimo café, cuja procedência dos grãos que compõem o blend é do Brasil, Costa Rica, Colômbia e vai por aí. Há dois tipos gerais de café: o Robusta, ou Conilon e o Arábico. O primeiro é café ordinário, com mais caféina e menos sabor, enquanto o arábico é o tipo nobre. Mas só para vc ter uma idéia, só de arábico há uma classificação que chega a, se não me engano, uns 20 tipos. Resumindo: conhecer café é mais ou menos como conhecer vinho. Influi o terreno do plantio, o clima e a altura, além de outros quesitos.
Bom, mas já estou escrevendo um matéria sobre café...hahahaha. Se vc quiser ler um blog sobre café excelente, anote aí: http://coffeetraveler.net. Este blog é escrito por um expert em café, o Ensei Neto, um nipo-brasileiro que é profissional na área, além de ser ele mesmo, é claro, um aficcionado nessa bebida fantástica! Cordial abraço do Aluízio Amorim

arina.alba@gmail.com disse...

Estou relendo este texto, ja estando aqui na terra do cafe de macho haha! Bem diferente da primeira vez, porque agora ja provei cafe turco - aqui e na Turquia - e os outros varios cafes maravilhosos que tomamos aqui em Israel.
Tao bom como saborear um verdadeiro cafe eh ler teus textos. Teu sarcasmo eh realmente adoravel.
Nao deixe de escrever de vez em sempre!

Anônimo disse...

Eu costumo visitar os blogs, e de maneira geral parabenizar o dono blog e elogia-lo. É uma espécie de fair play.

Mas sinceramente gostei muito do teu texto. Este parabéns é sincero.


De La SILVA