sexta-feira, agosto 15, 2008

Palavreando o Infazível

A imprensa internacional está atolada dentro de alguns cacoetes semânticos (que pelo menos a mim são) perturbadores. O primeiro deles é "Comunidade Internacional". A história de como surgiu esta expressão eu não conheço. Olhando para trás eu faço as contas e chego à conclusão de que deve ter aparecido pelas primeiras vezes no fim dos anos noventa, e tornada terrivelmente vulgar faz poucos anos. Vamos começar pelo próprio conceito de comunidade. No meu velhíssimo Aurélio, que tenho desde a 1ª série está lá (aliás, um verbete antes de comunismo, mas entrar neste mérito é implicar com gente implicante):

comunidade sf. 1. Qualidade do comum. 2. O corpo social; a sociedade. 3. Grupo de pessoas submetidas a uma mesma regra religiosa. 4. Local por elas habitado.

Não só uma abstração, como de fato, um completo antagonismo com o adjetivo Internacional. Eu sei que há gente por aí a usar o termo como uma forma de "unir as nações em um movimento comum". Coisa bonita. Até mesmo coisa honorável. Só que como a turba ignara já cansou de provar; não muda nada chamá-los de povo ou de classes desprovidas. Morrem de fome e matam de desesperança da mesma maneira se fossemos chamá-los de, digamos, Ê aí, gente boa!.

E tudo por causa dessa turma que senta atrás de um teclado, usa neologismos traduzidos de algum boboca americano e sai dizendo que é formador de opinião. Formam opinião mesmo: e a opinião que formam, principalmente, é a de que são umas bestas. Prova? Pois é: a última que eu andei lendo foi que (em palavreado de diplomata, claro) se o Irã não tratar de se retratar (o péssimo trocadilho aqui fica por minha conta) com Israel será ser banido da Comunidade Internacional. Pois Irã ameaça destruir Israel com uma bomba nuclear e ganha como resposta isto, que em linguagem de prezinho pode ser traduzido como "se você não pedir desculpa a gente não brinca mais com você". A gente fica aqui pensando o quão terrível deve ser para os iranianos serem banidos da comunidade internacional que os farão mudar de opinião.

Outra expressão que me causa engulhos (já fui hospitalizado mais de uma vez ao ouvir ou ler isso) é o verbo "Condenar". Lá vai o que o Aurélio diz do verbete:

Condenar v. t. 1. Proferir sentença condenatória contra. 2. Censurar, reprovar. 3. Julgar incapaz do fim a que se destina; rejeitar. 4. Sentenciar.

Olha só o contexto com um típico exemplo de notícia:

"Da Agência de Notícias [é que a publicação em primeiro lugar não quer se responsabilizar se a notícia for fraquinha, ou falsa, em segundo, por ser um belíssimo eufemismo para: 'nós compramos nossas notícias da Retuters, porque não estamos nem aí para noticiário internacional' – e o colchetes, evidentemente são meus]:

Butsuanda: [ou qualquer outro pais miserável onde se matam o tempo todo] Nesta última terça-feira um grupo de soldados de elite [armados pelos EUA, evidente] do governo atacou novamente um campo de refugiados matando 137 e ferindo mais de 1000. É o sétimo ataque do tipo em um mês, em que já morreram mais de 700 civis. A Comunidade Internacional condenou o ataque."

E aqui me superei. Consegui na mesma frase usar o verbo condenar e a expressão Comunidade Internacional. Pois é – novamente, em linguagem de prezinho, condenar seria mais ou menos traduzido para "feio, feio, feio!". É, sem sombra de dúvida uma atitude extremamente responsável e pertinente, dado que nos últimos seis ataques a reação à condenação foi imediata, todos os soldados e generais deixaram as armas e sentaram-se na calçada, chorando de vergonha e esperando suas mães os buscarem para casa.

Se dissessem ao invés disso "Pois é, né? Morreram mais 130..."

- Perdão... Foram 137

- Ah! Pois é... 137 pretos... Bem, morreram, né? A gente sente muito. Na verdade a gente nem sente tanto assim, mas vá la...

Pois então, se ao invés do "Condenamos o Ataque" dissessem algo assim, eu teria, quem sabe, muito mais respeito a eles.

Assim como funciona um banheiro, funciona a política internacional. Num típico banheiro, quem constrói, quem usa e quem limpa são em geral pessoas diferentes. É por isso que não há verdadeira hipocrisia no que acontece pelo mundo – as regras são claras: Há os que constroem a política internacional, há os que sujam tudo, e há os que depois tratam de limpá-la.

Hipócrita mesmo é fazer entender que um não tem nada há ver com o outro.

3 comentários:

arina.alba@gmail.com disse...

Adorei! Tambem tenho reverterio com essa babaquice de "Comunidade Internacional" e essas condenacoes. Nao mudam nem melhoram nada na vida de ninguem. Eh so para dar a impressao de quem tem alguem que "eh dono da brincadeira", em linguagem de prezinho, como vc disse.

Monsores, André disse...

Seu defeito, Gabriel, é postar pouco. Tá, eu sei, posto menos ainda lá no meu blog, mas não escrevo tão bem assim.

Go ahead, man!

Sorte aí em Israel.

Anônimo disse...

Por que nao:)