terça-feira, maio 12, 2009

As Viúvas do Benjamim. 2 - Neta de Florentin

(continuação do texto anterior: As Viúvas do Benjamim 1 - Neta de Florentin)

A Neta trabalhava de garçonete num café da rua Vital, bem pertinho do apartamento do Shay. Rua Vital é um lugar divertido. Parece um beco decadente, mas só porque é mal iluminado e está numa região que durante anos foi meio que negligenciada. De dia é só mais um ponto de comércio industrial. De noite abrem-se dezenas de bares, pubs, cafes e afins. A rua fica entupida de gente e os moradores dificilmente reclamam do barulho: são os próprios gaiandeiros que moram por ali em apartamentos que foram reformados pela última vez nos anos 30 do século passado, e os donos não têm qualquer interesse em reformá-los tão cedo. Tem uma aparência empoeirada, com poucas árvores e muitas fachadas sem qualquer conexão estética entre elas - cada uma de uma época, cada uma de uma cor (geralmente um bege fosco, triste e sujo). De noite uma parca iluminação por lâmpadas meio alaranjadas de vapor de sódio que tornariam tudo muito triste e decadente se não fossem os neons dos diversos pubs e bares, todos lotados.


Era um dia quente e úmido e a gente sentou numa das mesinhas do lado de fora. Ela toda de preto, cabelo preso e ainda com a pochete de trocados na cintura. Tocava Berry Sacharov em alto volume, o disco inteiro, e com o jeito impaciente dela, começou a me contar.

- Contei tudo pra ele. - A Neta disse pro Shay depois que conseguiu se recuperar da última baforada, lá na laje, olhando o horizonte onde Yaffo se encontra com o mar mediterrâneo, vestida só de calcinha e lençol, numa deliciosa sexta-feira de primavera.

- Tudo o que?

- Do Benjamim. Resolvi contar tudo. Foda-se. O Benjamim era um maluco e eu era outra maluca pendurada na calça dele.

- Tá, mas tudo o que? O que há prá se contar desta história? O que ele quer saber que já não sabe? O Benjamim veio, esteve e se foi. Pronto. O que ele acha que vai fazer? Escrever um livro? Publicar a história num Blog? Me dá esse cigarro. Senta aí, vou fazer um café.

E o Shay se levantou. Foi até a cozinha enquanto terminava aquele toco que tinha entre os lábios e deixou a Neta ali naquela cadeira que antes estava apoiando os pés.

Cozinha era modo de dizer - era na verdade um pequeno corredor de passagem entre o quarto/sala ali dentro e a laje do lado de fora. Tinha literalmente três metros quadrados. Meio metro quadrado para um armário onde por cima estava um fogareiro de duas bocas, outro meio metro para outro armário onde ele colocava o resto das tralhas que precisava para cozinhar (embora comesse fora quase sempre). A geladeira ficava na sala. Fez muito barulho tirando de dentro do armário debaixo do fogareiro um finjan (uma espécie de chaleira que na verdade não é muito diferente de uma lata com um cabo. Apenas um pouco mais arredondado e com um bico para entornar).

Meteu ali dentro água da torneira e duas colheronas de café em pó. Pôs para cozinhar até a fervura subir e depois jogou o conteúdo (sem filtrar) em duas canecas velhas e amarronzadas por decêncios de cafés mal lavados. Com cuidado espalhou açúcar por cima, para ajudar o pó de café a descer ao fundo.

(O Shay havia me explicado há muito tempo: "você não gosta de café turco porque nunca te prepararam direito. Se você põem açúcar antes do café, por exemplo, o pó nunca mais desce e fica tudo com gosto estranho. Se não deixar ferver pelo menos uma vez, também. Têm os que põem para ferver duas vezes... Eu prefiro assim. Toma, o que tu diz?" - E eu que achava que o cafezinho brasileiro era cheio de superstições).

Ele levou uma das canecas para a Neta e uma para si. Deixou-a sobre a muretinha de proteção para acender um cigarro.

- Diga. Qualé a desse cara e o Benjamim?

- Ele apareceu ontem no fim da tarde, no fim do meu turno no trabalho e a gente sentou para beber alguma coisa. Ele quer saber quem diabos foi o Benjamim, e qual é a história dele.

- Ele já leu a famosa edição do jornal?

- Acho que não leu. Mas sabe que a edição existe. Na verdade ele nem está procurando o que foi feito do Benjamim. Nessa estamos nós dois iguais: que se exploda. Acho que ele quer reler, ou republicar o que o Benjamim escreveu.

- E?

- E eu só pude contar minha história com o Benjamim. O texto eu não me lembro. E provavelmente se lembrasse não ia estar nem aí para contar para ele.

- E você contou a tua história?

Ela fez que sim com a cabeça. Tinha me contado tudo que ela sabia.

Benjamim Soares Pereira, nativo de Três Ranchos, Goiás, nascido em 1967 saiu do Brasil em 1992 e, se chegou a voltar, ninguém sabe, ninguém viu. Sei que foi dali para a Inglaterra, e de lá deu voltas e mais voltas por toda a Europa. Até aí estatística, mesmo porque é conhecimento de domínio público. O que pouca gente sabe é do que vivia. Há os que dizem que vivia de tráfico de drogas, ou de diamantes, ou alguma coisa ilegal. Mas não. Benjamim vivia de favores. Ele conhecia gente em tudo quanto é lugar, sendo absurdamente carismático. Fazia conexão entre pessoas que precisavam de alguém, digamos, em Liverpool, Nice, Piza, Denver ou fosse onde fosse - com objetivos legais, e mais comumente - ilegais. E assim foi vivendo sua vidinha de intinerante conectando entre pessoas. Tinha namoradas onde estivesse, tinha sempre algum dinheirinho dessas trocas de favores (embora nunca tivesse se tornado rico, nem sequer estabilizado), sempre tinha onde dormir (bem) e onde comer (melhor ainda). E foi assim que foi vivendo, até chegar em Israel, em 1996. Até 2000, quando Ofer Nimrodi, um dos principais donos do jornal Maariv foi acusado de um bocado de coisas - e daí Benjamim sumiu.

Não se tem muita certeza se o que o abateu quando chegou a Israel foi a síndrome de Jerusalém. O que se sabe é que mudou completamente. Deixou o cabelo e a barba crescerem e mudou de nome para Benjamim Avgadahu. Morou em Eilat, em Jerusalém, em Haifa, num kibutz no norte, e em Tel-Aviv, seu último conhecido destino, onde aprontou sua mais louca e inexplicável jogada - e sumiu. Em cada lugar viveu com uma - ou várias - mulheres. Não são provavelmente a mais confiáveis fontes de informação que poderia conseguir. Mas pelo jeito são as mais completas, e na verdade o meu último recurso. Para cada uma delas, sem exceção, Benjamim já estava morto e enterrado. E por isso as chamo de viúvas do Benjamim. E paradoxalmente são elas que vou usar para ressuscitá-lo.

3 comentários:

Colafina disse...

Continua bom. Seguimos...

Unknown disse...

Te achei no blip.fm, vim no seu blog, fui no seu orkut... em fim adorei vc!

MBR Computers disse...

maio de 2009 ! porra, como o tempo passa !