sábado, julho 11, 2009

Do lado de cá do mar

Mar Mediterrâneo. Na verdade bem na beira do mar Mediterrâneo. Quatro ou cinco metros de onde a água chega. Na faixa de areia em algum lugar entre Frishmann e Alemby em Tel-Aviv.

Não é o "point". Não gosto de "points". Têm muito Ars por aquelas regiões e não me faz nenhum gosto. Mas o israelense típico é Ars, e vai me acompanhar desde os mais remotos confins do deserto do Neguev, até as montanhas do Galil. Então faço o que posso para evitar, mas deixo por conta da sorte os ventos mais silenciosos.

Afinal o que me enfadonha nos arsim é exatamente o que me fascina, o barulho que eles fazem. E já sei - ali sentado na praia - vão ser para sempre parte se não da trilha sonora, pelo menos da música de fundo em qualquer situação pelo país.

A hora é alguma coisa entre 2:30 e 3:00 da tarde. Nem olho no relógio. Conto o tempo por quantas cervejas eu já bebi, o quanto estou com calor (e portanto preciso de mais um mergulho no mar) e quantas páginas já li no meu livro.

Viro mais uma página, abro mais uma cerveja e suspiro a um acorde genial do King Crimson que me fez o favor de me aparecer no rádio, assim, sem mais nem menos numa tarde de sexta feira. Do meu lado direito um grupo de turistas americanos. Falam muito alto, e a conversa deles gira em torno de onde já foram, onde ainda não foram e quando planejam ir. Não devem ter mais que 25 anos. Talvez bem menos. São judeus, estão fazendo algum curso em algum lugar em Jerusalém e ainda sentem aquele orgulho misturado com encanto ingênuo de quem mora fora e vem passar só uns tempos por aqui. Sorrio para mim mesmo com um misto de ternura, inveja e pena deste sentimento deles. "Oh... If they only knew any better...".

Na minha frente o mar azul. Tão transparente que até dá para ver o lixo no fundo. Mais adiante, mar adentro, as quebra-ondas que transformaram quase todas as praias em Israel em enseadas. Depois dessa linha, barcos, windsurfing, jet-skis e, lá longe (juro, é só esticar mais o pescoço para ver) está a Grécia.

É claro. Entre eu e tudo isso está um exército de jogadores de frescobol. Eles chamam isso de "raquete", têm absoluta convicção que inventaram a atividade - e mais - que é típico israelense. Bem como as Havaianas que invadiram o país (um par por módicos 100 shekalim (uns 50 reais) e a certeza de que você pode ir com eles até mesmo para uma reunião de negócios. Chame isso de style, ou falta de. Os israelenses chamam isso de conforto).

Se vou dar um mergulho no mar e tenho que me defender desses batedores de bolinha, fico planejando mirabolantes planos em que eu levo a Preta para a praia, mesmo sendo proibida a entrada de cachorros. Ela adora bolinhas, e ia ser divertido ver ela arrebentando uma por uma, até que não sobrem nenhuma e o "tak-tak-tak-tak" do frescobol desapareça.

Do meu lado esquerdo têm um grupo de adolescentes-pós-vinte. As moças quase bonitas com biquinis que no Brasil iriam parecer uma imensa lona de circo. Os rapazes com shortes de surfista, anos 90, práticos e deselegantes. Um deles toca violão - graças a Deus ninguém aqui conhece nem Raul, nem Legião, mas inevitavelmente tocam Berry Sacharov (clique para ouvir), Machina (clique para ouvir) e o rapaz até tentou tirar um Aviv Guefen (clique para ouvir), não sem alguns protestos. Falam amenidades da vida, sem qualquer preocupação. Nem sobre assuntos sérios, nem sobre fofocas. Coisas da vida. Não fumam maconha. Mas eu sei que acabaram de fumar.

Uma turista (eu sei que é turista) provavelmente russa vai andando devagar até chegar com os joelhos na água. Usa um fio dental indiscreto. Mas não chama a atenção (além de mim, of course). Depois acompanha a loira uma morena de pele branca com um biquini horroroso de oncinha e entram no mar dando gritinhos a cada onda que passa.

Um único vendedor de picolé passa gritando. Dá saudades dos vendedores de matte e de biscoito Globo de Ipanema (não faltam coisas para ter saudades de Ipanema, mas neste exato momento penso num matte gelado e biscoito de polvilho que não como há anos).

Atrás de mim (me viro de costas para o mar com a desculpa de queimar um pouco as costas, mas é para ver e relatar aos meus parcos leitores) estão duas beldades-wannabe se tostando sob as areias de Tel-Aviv. Usam enormes óculos escuros Gucci, e fazem caras e bocas de quem esta fervendo. Não são feias, e estariam melhor na fita se não fizessem assim tanto esforço para ferver, quando estão só relativamente mornas. Ao lado delas um gordo branco, peludo e careca sentado numa cadeira de praia chupa um narguilê. Parece um paxá anacrônico de bermuda desbotada. Fala alto ao celular enquanto olha vidrado para o mar. O cheiro de fumaça adocicada chega até mim e me faz esquecer finalmente de Ipanema, onde o cheiro de fumaça é outro.

Duas adolescentes francesas cortam meu caminho espirrando areia para todos os lados. Uma bonitinha, outra horrorosa. Ambas maquiadas demais para praia.

Deste lado a vista é urbana. A avenida Ha'Yarkon e seus hotéis de luxo de uma arquitetura de um mal gosto tremendo. A maioria construída nos anos 70, beseado num projeto urbano criminoso que matou a avenida e a chance de salvação desta faixa da cidade. Estou quase de frente para a embaixada dos Estados Unidos. Um pouco mais ao norte, a embaixada da Franca. Li em algum lugar que o verdadeiro motivo pelo qual quase todas as embaixadas de grandes países se encontram em Tel-Aviv, e não em Jerusalém, e beira-mar, e não dentro da cidade, é por questões de segurança. Ninguém acreditava muito naquela época que o país vingaria por muito tempo, e decidiram colocar suas representações em lugar que pudessem ser evacuados imediatamente - pelo mar. Deve ser verdade. Ou pelo menos devia ter sido verdade, no passado. Hoje seria completa loucura sair de um imóvel tão valorizado e com vista tão espetacular.

Olhando para o sul, a Ha'Yarkon chega até Yaffo, e daqui se vê por trás da bruma do mar a cidade velha e a mesquita que vem antes dela. Ao norte, a enorme chaminé da usina de energia Ridling, ao lado de um pequeno aeroporto de vôos nacionais. As vezes passa um Fokker passando baixo, outras vezes um Hercules do exército. Às vezes passa um enorme Boeing preguiçoso e pachorrento pelo céu azul e brilhante se preparando para pousar no Aeroporto Ben-Gurion. Na maior parte das vezes só escuto, sem olhar para cima.

Escuto também sem olhar o salva-vidas gritando. Eles ficam numa casinha de madeira que parece um celeiro deslocado. São normalmente uns ex-surfistas barrigudos de meia idade, super bronzeados, sentados na varandinha do segundo andar, sempre a bater papo com algum amigo, olhando o mar e gritando em um alto falante: "A moça de biquini azul! Faça o favor de vir mais perto da praia. Vocês aí na rodinha! Mais para o norte, mais para o norte!".

Quando vou tomar uma chuverada (a água do mar esta quente demais para me refrescar o suficiente) ouço alguém no calçadão tocando um shofar. Não é nenhum conversor, inquisitor ou ativista pró religião. É só um maluco solitário que toca seu shofar numa sexta de tarde, no calçadão da Ha'Yarkon, e segue andando.

Antes de ter uma disfunção renal de tanta cerveja, acompanhado de diabetes induzida por uvas tão doces (enormes, sem caroço), amarro a trouxa e empacoto tudo na bicicleta para me encontrar com os amigos no sambão em Yaffo (já extinto por conta da burocracia da prefeitura). Não sem antes passar um tiozinho com um enorme carrinho, pedindo pelas minhas latinhas de cerveja.

4 comentários:

Pax disse...

Fotografias e filmes em palavras. Não é pra qualquer um.

Quero a cerveja e a bunda da russa já!

Parabéns.

Anônimo disse...

Gabriel,
Não muito bom! Mas não vou pra praia quando vc for:)

arina.alba@gmail.com disse...

Vc eh demais!

Elke Aronson disse...

Demorou para eu ler. Mas e ABSOLUTAMENTE perfeito. Amei. A unica coisa ue voce nao mencionou foram as (nossas, inclusive) terriveis mauinhas de Havaianas nos pes.
By the way, final de semana perfeito na praia, Baby!
Beijos!