domingo, agosto 09, 2009

A brava história de um lençol

Depois que eu perdi minha esteirinha de palha de deitar na praia, e que minha canga comprada em Copacabana - e devidamente roubada da minha ex - foi extraviada por vias essas ou aquelas, decidi ir para praia com um lençol velho.

Outro dia eu virei para a Elke e disse: sabe, esse não é um lençol qualquer. Este tem história. Mais de 12 anos de história.

E eis a história do lençol, mais detalhado pouquinha coisa do que como eu contei para a Elke naquele dia na praia:

Ganhei aquele lençol na noite (três da madrugada) de 17 de fevereiro de 1997. Dois lençóis, um travesseiro, uma fronha e dois cobertores de lã (estava muito frio). Quem me deu foi o guardinha.

Sim, porque chegamos nós (eu, a Andréa e a irmã dela, a Débora) do aeroporto ao centro de absorção e não havia absolutamente ninguém nos esperando para nos receber. Nada mais nada menos do que tínhamos acabado de chegar para viver em Israel. Vindos de um voo de umas 20 horas num famigerado DC-10 (ainda existe?) da não menos famigerada companhia aérea Pluna (ainda existe?) e depois passado poucas e boas numa van-taxi até chegar lá.

A Andréa com sono, a Débora rindo dos meus comentários idiotas. Só de nervosa e eu, fazendo piada boba para esconder (ou afastar) meu próprio nervosismo. A gente tinha só acabado de mudar completamente de vida, a uma distância de 18 mil quilômetros, num país estranho, de língua esquisita e de gente idem. E as coisas não pareciam ter começado bem.

Eu sabia que Israel era uma bagunça, só não tinha ideia o quanto. E se era uma lógica responsável imaginar que eles sabiam que 3 novos moradores estavam por chegar, era pura fé que me fazia crer que eles teriam efetivamente se preparado para nossa chegada.

Pois bem, não tinham se preparado.

Nem sequer tinham avisado o guardinha (que era na verdade um soldado do exército, que sabia dizer Yes em inglês e tinha mais boa vontade que capacidade para tomar decisões e executa-las). Aliás, era muito mais inglês do que sabia o motorista da Van que nos trouxe do aeroporto. Eu lembrava de três palavras em hebraico que eu aprendi na escola primária. Tentei usar todas as três, em todas as combinações possíveis para tentar me comunicar com o motorista. Isso dá impressionantes 39 combinações diferentes (se contarmos com a repetição de palavras) de frases de até 3 palavras. Impressionante para mim, porque pro motorista não impressionou nem um pouco - ele seguia sem entender, ou sem querer se comunicar. Mesmo porque foram mais de duas horas de viagem pela madrugada negra passando - hoje eu sei, na época não sabia - por buracos horrorosos como Lod, Kiriat Malachi e afins.

Bom saber que alguém tinha explicado para ele onde nos deixar. Eu fazia alguma ideia de que era para ser em qualquer lugar perto de Beer-Sheva. Ou assim haviam me dito (mentido) na Sochnut, no Brasil, antes de vir.

Chegamos. E era desolador.
Tudo escuro, frio, e eu tinha a impressão de que ele nos tinha trazido para o fim do mundo. Além do mais, encontramos o portão fechado e o motorista já queria nos deixar ali e se mandar. De uma maneira ou outra (usando minhas 3 palavras em hebraico e mais Yes em inglês) consegui explicar para o guardinha a situação; que já transitava entre o ridículo e o periclitante. Tiramos nossas malas da Van (todas as nossas posses neste mundo) e o guardinha nos enfiou numa das casinhas ainda vagas da vila estudantil, até que no dia seguinte fossem tomadas as devidas providências e fossemos estabelecidos em nossas moradias definitivas (pelo menos pelos próximos seis meses). Estava um frio do cão e o guardinha depois de ter nos dado as chaves da casa, nos deu (a cada um) um par de cobertores, travesseiro, lençóis (2) e fronha.

Seis meses depois, quando entregamos as chaves e todo e qualquer material pertencente à diretoria e que teríamos que devolver, me dei conta que o guardinha (depois aprendi que se chamava Moshe, e já tinha saído de lá faz tempo) não tinha anotado os cobertores e lençóis que havia retirado do armazém. Um daqueles desfalques dos quais nunca ninguém se dá conta. E tendo me dado conta, fiz-me de bobo e aproveitei a falta de organização. No final levei-os comigo.

Os lençóis, ao longo dos anos, serviram para dormir, depois para cobrir sofá, depois de cortina e finalmente teve a morte decretada pela minha ex, que queria jogar tudo fora. Salvou-se, e hoje, desbotadíssimo, quase branco, meio rasgado em alguns pontos, me serve de canga na praia.

Vai morrer no mar, como bravo guerreiro viking.

3 comentários:

disse...

Que vida honrada desse lençol e a "morte" será ,também!
abraços

Shlomit Or * Luciana Gama disse...

ai, gabriel, senti tanto carinho lendo seu post. Me lembrei de quando cheguei em Isra, quase igual...mas na minha história tem um travesseiro e uma mala perdida no aeroporto que chegou depois de mim.
Também não havia ninguém esperando. (A sohonut garantiu que sim, haveria)
Cheguei junto com um moço que conheci no avião e hoje é meu grande amigo e companheiro). desde que pisamos em terra, em eretz, começamos uma saga de fazer tudo sozinhos. Outro dia,demos boas risadas quando vimos que chegou um vôo da américa latina com recepção, diplominha, entregaram a teuda zeut em mãos! Que bom, pensei! Mas também refleti que nossa história, desde que chegamos, nos dizia e nos ensinava, se virem, e nos viramos... simbólico, mas eu acredito que foi justamente esse meu diplominha de chegada que tornou Israel um lugar onde não há apertos!
Adorei seu post, sua praia, sua canga, seu lençol, suas palavras dispostas e coordenadas. Gabriel, pensei, uma boa pessoa para dividir o lençol na praia! ;)

Anônimo disse...

Gabriel,
Tens aí mais que a pequena história de um lençol.

Também com minha ex tivemos um que nos acompanhou, comprado no Mappin (já ouviu falar?) e que era nossa roupa de cama de luxo.
Com o passar (de muitos !)dos anos, desbotou e segui o percurso parecido ao do seu, forro de estante, sofá e mais umas outras funções menos dignas até nos darmos conta da "kanga king size" que aquilo dava.
Então passeou por Ubatuba, Natal e Pipa, todo o litoral baiano para ter um fim digníssimo:
Foi nossa kanga no meu ano sabático em Trancoso, e lá na praia dos Coqueiros. Ver link:
http://www.panoramio.com/photo/11499280
Não sei se tenho saudade do lençol ou dos momentos que ele presenciou...
Abs
Tuaregue Alemão