sábado, junho 06, 2009

O fim de uma era. Já era.

O grande problema a ser enfrentado em Israel nesta era Obama nem são realmente os outposts avançados, ou as colônias no westbank. O problema vai ser na verdade lidar com os radicais judeus.

Ainda na época em que Obama já eleito eu via as pesquisas aqui em Israel apontando para a vitória do Nataniahu e já previa problemas.

Pois problemas vieram, e são só uma pequena prévia do que está por vir.

A questão é que depois de anos de cozinhar gelo em água gelada, parece que o governo norte-americano decidiu levar a decisão de limpar a casa aqui no Oriente Médio a sério.

Coisa que tirou muita gente aqui do sério: "Como assim? Quer dizer, todas esses anos, sair dos territórios ocupados... Eles estavam falando a sério? Era para levar-los literalmente?"

Pelo jeito, houve um tempo que não - não era para levar isso literalmente. Era, por assim, dizer, uma sugestão.

A maioria dos esquerdistas - pessimistas por natureza e experiência, acha que agora vai ser a mesma coisa, só que os cães vão ladrar um pouco mais alto.

A maioria dos direitistas - pessimistas por natureza e experiência, acha que agora é à sério, e que estamos na bica de uma enorme tensão entre Israel e os EUA.

E entre Israel e seus radicais.

Durante todos estes 40 anos, a criação de várias colônias e cidades na Cisjordânia se tornaram um empecilho de ordem técnica. Eles atrapalham a vida da população local de palestinos e obviamente compromete a criação de um futuro estado palestino. Mas é um problema técnico: derruba-se esses assentamentos e seguimos viagem. O problema mesmo, ao longo desses 40 anos foi a criação de uma mentalidade expansionista radical que foi legitimizada tanto pelas autoridades religiosas como as autoridades governamentais.

Isso não se derruba assim com a mesma facilidade.

A primeira grande e séria tentativa de se retirar colonos foi na faixa de Gaza. Em termos logísticos, foi um sucesso. Em termos efetivos para demolir essa mentalidade, um fracasso retumbante. A subida do Hamas ao governo de Gaza, os frequentes ataques de foguetes daqueles lados são normalmente usados como desculpa e explicação ao mesmo tempo. O argumento passa a ser: "Não adianta nada. Nós damos a eles a chance de se tornarem um país sério, e eles estão mais preocupados em nos atacar que a ajudar a eles mesmos". E o segundo argumento, mais perigoso, pois por indução impossibilita qualquer plano de retirada: "Nós damos um dedo, mas eles querem a mão. Nós damos a mão, eles querem o braço. Eles nunca estarão satisfeitos".

Gaza eram 8000 colonos espalhados por uma região perfeitamente cercada. Cisjordânia não é bem assim.

Uma das imagens mais fortes de uma tentativa de retirar um dos postos avançados foi Amona. Amona era um ajuntamento de meia dúzia de casas que, se fosse em qualquer outra parte do mundo, passaria completamente despercebido. Todo o grupo de colonos recebeu a informação sobre a retirada e foi ajudar os colegas. O que se vê no vídeo abaixo é o que se deu:



É muito, e não é tudo. Todos os postos avançados destruídos nas última semana foram reconstruídos em poucas horas. E o grupo de radicais simplesmente se radicaliza mais e mais. Após a retirada de outra pequena vila, os colonos simplesmente atearam fogo aos campos palestinos na região. E prometeram que assim será a cada localidade retirada.

Absolutamente nada de concreto está sendo planejado pelo governo ainda, mas os colonos já fecharam a principal estrada de Israel - Tel-Aviv/Jerusalém - durante meia hora, como protesto.

De uma maneira geral, a divisão da população israelense entre direita e esquerda, na minha opinião se baseia em duas visões básicas. Os de esquerda não se iludem. Sabem que é muito difícil amansar radicais tanto de Israel quanto do mundo árabe, e que um país para os palestinos é, a médio prazo quase impossível. Mas acreditam que a situação pode melhorar com uma série de medidas e facilitações ao palestinos, e portanto votam em liberais de centro e centro-esquerda. Tenho às vezes a impressão de que a maioria deles não consegue conviver confortavelmente com a idéia de uma Palestina, vizinha a Israel, ou não conseguem realmente acreditar que esses dois países possam conviver em paz a curto e médio prazo. Mas o discurso de um político nesta direção vem a confortar. Especialmente quando há esta certeza de que muita coisa, mesmo, não vai mudar nos próximos anos.

Já os de direita simplesmente não gostam da situação atual, mas preferem o status quo a qualquer mudança - afinal, mudança está claramente associada a passos em direção a um país para os palestinos. Preferem, até mesmo, políticos que garantam medidas fortes contra radicais (e toda a população) palestinos em frente a ações de terror e foguetes.

Novamente, de uma maneira geral, tanto direitistas quanto esquerdistas não radicais não tem uma agenda clara a respeito da relação com o mundo árabe em geral e os palestinos em particular. Especulam a respeito de uma visão de "paz", que, se não é muito clara, pelo menos na mitologia popular, já inclui um país vizinho chamado Palestina. Uma espécie de consenso geral que se não é tangível, pelo menos é teoricamente concebível pela maioria.

Essa é a grandessísima maioria da população em Israel, composta de moderados, seja de esquerda ou direita.

Os radicais de esquerda, pelo menos dentro deste artigo, dispensam explicações e pormenores. Vamos aos radicais de direita.

Existem vários tipos de radicais de direita. Na base da pirâmide estão os colonos radicais. São os que sustentam com ações toda a gama de pensamento teórico e teológico a respeito da relação com os palestinos, povos árabes e a terra. Eles se baseiam em duas importantes mentalidades. A primeira é a do "Halutz", ou pioneirismo dos velhos tempos de Ben-Gurion. É uma forma de nostalgia num mundo já tão menos radical e romântico do que naquela época. A outra é de base teológica: esta terra pertence aos judeus. Por motivos religiosos, históricos e, por que não? Por usucapião (seguindo o chavão "quando aqui chegamos não havia nada, vocês não cuidaram dessa terra, nós viemos e fizemos milagres"). Consideram qualquer um que não pense desta maneira como traidores e anti-sionistas. Acreditam num estilo de vida preso à terra e são a grande maioria, se não todos, profundamente religiosos e místicos. Servem exército e são normalmente os mais disciplinados soldados.

Há sobre eles a liderança política e religiosa. A liderança religiosa é a mais pura e menos cínica, em termos de maniqueismo, objetivo e método. Costumam realmente acreditar e suportar com alicerces fortes tudo que pregam. Arrisco cá a dizer que seus objetivos políticos são apenas de ordem de loby: adquirir poder para executar seus objetivos teológicos bastante práticos.

Quando Lieberman conseguiu sua fenomenal votação nas últimas eleições, todos começaram a elevar a voz chamando-no de radical. Expliquei em outro artigo que Lieberman late muito, mas não morde tanto. Que há mais perigosos que eles. Ei-los os mais perigosos que ele: a liderança politico-religiosa dos colonos.

São, a maioria deles adeptos da expulsão dos palestinos de tudo que foi um dia historicamente pertencente a Israel. Isso inclui parte da Jordânia, Egito, Síria e Líbano. Para eles não existe política internacional, acordos e o inimigo é qualquer um e qualquer coisa que se oponha a sua ideologia. E, recentemente, incluem aqui outros judeus também (a quem chamam não de inimigos, mas de traidores, o que, pela Torá, é tão ruim ou pior que um inimigo). Não escondem esses objetivos e recentemente não escondem tampouco seus métodos.

O que mais me assusta é o fato de seu perigo ser compreendido apenas dentro de Israel, pois a imprensa internacional faz muito pouco desses partidos.

A liderança puramente política dos radicais de direita são, em grande maioria cínicos sem ideologia real que usam este público votante como trampolim político. Um deles é o próprio Nataniahu, que usou discursos ambivalentes para se promover durante as eleições. Aceitou em suas linhas dentro do Likud vários conhecidos radicais (como Beny Begin, por exemplo, que agora, depois de eleito, não faz absolutamente nada, o que prova minha teoria) e promoveu uma delegitimação da existência de um estado palestino. E assim montou sua coalizão com todos os partidos radicais de direita.

Explicado o cenário, vamos agora ao ato primeiro da peça: Obama anuncia que este impasse vai ter que acabar. Os radicais de direita já o chamam de "negrinho". Os radicais de esquerda dizem "graças a Deus, vem alguém nos salvar de nós mesmos" e a população em geral segue assustada com a mudança - a população em geral, de qualquer país, não gosta muito de mudanças.

Vários políticos (de direita) tentam encobrir tudo com várias cortinas de fumaça. A primeira delas se chama Irã. A segunda é mais um novo mantra: "Peraí... nós temos que agir e sair das colônias, e os palestinos? Não têm que fazer nada? Não é justo!" - a qual Obama já respondeu claramente: "Vocês já tem um país. Os palestinos ainda não. É justo sim".

Segundo ato: Israel finge que faz algo, desmontando aqui e acolá alguns postos bem avançados e microscópicos. São todos reconstruídos em menos de um dia. A ação só serviu para enfuriar ainda mais os colonos radicais, que estão se organizando para o pior.

Terceiro ato: Ainda não veio. Mas Israel não vai poder se opor à politica do Obama. Simplesmente não pode. A atual colocação da política do país é contra tudo que se prevê numa democracia ocidental moderna, e só se sustenta com o apoio dos EUA e do governo Bush. Terminada a doutrina Bush, é politicamente insustentável, e qualquer político de meia pataca sabe disso. Ou seja: haverá retirada das colônias. E haverá guerra (vide o filminho de Amona, alí em cima). E vai ser feio.

O lado palestino também deverá sofrer do mesmo mal, já que o governo radical do Hamás também deverá sofrer mudanças. E, se paz vier depois de tanta violência, será uma pax romana. Silêncio de ódio e feridas cicatrizando muito lentamente, durante algumas boas gerações, se Israel, e/ou Palestina sobreviverem como entidades até lá.

4 comentários:

MarioS disse...

Continuo aguardando um video sobre a AP fingindo que faz algo, desmontando aqui e acolá algumas células terroristas bem avançadas e microscópicas

Continuo aguardando um video sobre a AP combatendo, com cavalos, jatos d'agua e cassetetes "mártires" do seu lado

Hilton disse...

Gabriel,
parabéns pelo artigo... tinha que ser de um brasileiro...
abraços e shalom
Hilton

Anônimo disse...

Ao que parece, Israel é...uma democracia (com todas as contradições que tal sistema apresenta). Dá pra dizer o mesmo de qual país aí na região?
Não sei se não entendi direito, mas vc diz que Israel não se sustenta só e precisa se enquadrar na nova política do soft power do Obama? Os que estão desconectados da nova ordem estão errados?

Gabriel Paciornik disse...

Não, Anônimo, não foi o que eu disse.

O que não se sustenta não é o país, mas sim a atual maneira de tratar o problema da relação com os palestinos, dos países vizinhos, de segurança e de política internacional. Se Obama está certo? Eu não tenho certeza. O que eu sim tenho certeza (por experiência própria) é que a atual política expancionista tem sido um fracasso.